Lucas Fontes Barrros1; José Eduardo Mourão Santos2; Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza3
DOI: 10.5935/2965-1980.2024v3e20240013
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Feminino, 85 anos, busca o pronto atendimento com a queixa de dor abdominal, obstipação há 3 dias, bem como náuseas e vômitos refratários à terapia antiemética. Foi submetida a tomografia computadorizada do abdome com contraste endovenoso, que evidenciou: obstrução de alças intestinais, cálculo biliar ectópico na luz jejunal e gás no trajeto biliar, achados compatíveis com íleo biliar (tríade de Rigler). A paciente foi admitida na terapia intensiva e submetida a laparotomia exploradora com enterolitotomia e enterorrafia. Após a cirurgia, retornou aos cuidados da unidade intensiva, evoluindo nos próximos dias com choque séptico e óbito.
ACHADOS DE IMAGEM
A tomografia computadorizada mostrou cálculo enteral no hipogástrio/fossa ilíaca esquerda (Figura 1), que determinava dilatação com nível hidroaéreo de alças jejunais à montante (Figuras 2 e 3) e aerobilia (Figura 4), achados que caracterizam a tríade de Rigler. Outras alterações visualizadas foram a colecistopatia calculosa (Figura 5) e fístula colecistoduodenal (Figura 6).
DISCUSSÃO
O íleo biliar é uma complicação rara da colelitíase, responsável por 1-4% de todos os casos de obstrução mecânica abdominal, descrita pela primeira vez por Bartholin em 1654. A incidência aumenta significativamente em idades mais avançadas, sobretudo em pacientes acima de 65 anos de idade [1-3]. A idade média de apresentação dessa entidade é de 74 anos [4,5]. A fisiopatologia consiste em episódios repetidos de colecistite, que implica na adesão da vesícula biliar em algum segmento intestinal, comumente o duodeno (cerca de 60-75%) 6. O efeito de pressão do cálculo biliar pode acarretar em erosão da parede vesicular e, consequentemente, levar à formação de trajeto fistuloso, com passagem do cálculo para a luz intestinal [7]. A apresentação clássica consiste em paciente idoso com obstrução intestinal subaguda episódica, resultado da migração do cálculo através da luz intestinal. A impactação transitória do cálculo produz dor abdominal difusa e vômitos, que diminuem à medida que o cálculo progride, resultando em sintomas vagos e intermitentes, até a completa impactação da luz intestinal mais distal [8]. A duração média dos sintomas antes da internação hospitalar é de aproximadamente cinco dia [9]. Os métodos de imagem são de grande importância para o diagnóstico e avaliação de possíveis complicações. A radiografia abdominal simples pode demonstrar a tríade de Rigler, embora a presença de dois sinais seja patognomônica e encontrada em até 50% dos casos. Em filmes seriados, a mudança na posição do cálculo biliar ectópico pode ser observada. Casos duvidosos, a ultrassonografia abdominal pode ser utilizada para a caracterização da pneumobilia e colecistopatia calculosa, além de sinais de obstrução intestinal. A radiografia abdominal combinada ao ultrassom aumenta a sensibilidade em até 74%. Com sensibilidade de até 93% e especificidade de 100%, a tomografia computadorizada é o método de escolha em muitos serviços, constatando a tríade de Rigler, inclusive em estudos sem contraste. Permite, em alguns casos, a visualização de fístula biliodigestiva, bem como o diagnóstico de isquemia intestinal nos exames com contraste intravenoso [10]. Este caso apresenta a evolução desfavorável de uma complicação pouco frequente da colecistopatia calculosa, não é infrequente que quadros semelhantes apresentem alta morbidade atribuível à patologia e às comorbidades frequentes na faixa etária.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Obstrução intestinal;
Fecalito;
Corpo estranho;
Aerobilia.
DIAGNÓSTICO
Íleo biliar.
O QUE APRENDI COM ESTE CASO?
Esse caso revela a importância do rápido diagnóstico etiológico nos casos de obstruções intestinais principalmente em idosos, sobretudo quando associado a longa história de dor crônica no quadrante superior direito. O caso ainda enfatiza a alta morbidade decorrente da necessidade de intervenção cirúrgica e comorbidades clínicas dos pacientes nesse grupo etário.
REFERÊNCIAS
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Artigo recebido em domingo, 14 de julho de 2024
Artigo aprovado em domingo, 14 de julho de 2024