• ISSN (On-line) 2965-1980

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Cardiovascular

Um raro caso de fistula aortentérica primária

Bruna Vilaça de Carvalho

DOI: 10.5935/2965-1980.2024v3e20240007

Resumo

A fístula aorto-entérica é uma comunicação entre a aorta abdominal e o sistema digestivo acometendo na maioria dos casos a aorta infrarrenal e a terceira ou quarta porção do duodeno. Trata-se de patologia rara, cujo diagnóstico pode ser tardio ou obscuro, de alta morbidade e mortalidade. Há cerca de 250 casos descritos na literatura [1]. Manifesta-se clinicamente como hemorragia gastrointestinal. Pode ser do tipo primária quando espontânea, ou secundária, caso ocorra após reconstrução aórtica.

CASO CLÍNICO

Paciente sexo masculino, 85 anos, com quadro de náuseas, hematêmese com coágulos e vômitos enegrecidos, sem repercussão hemodinâmica e hematimétrica. Nega cirurgias prévias. Realiza TC abdome e pelve em pronto socorro que evidencia dilatação aneurismática da aorta, com trombo mural, focos gasosos e densificação adjacente (Figuras 1A, 1B, 2A, 2B). A seguir foi feito complemento do estudo tomográfico com contraste oral, que evidenciou a presença de meio de contraste oral no interior do saco aneurismático, inferindo comunicação da aorta com duodeno (Figuras 3A, 3B). Paciente foi então internado para avaliação pela equipe da cirurgia vascular.

 


Figura 1A - Tomografia computadorizada sem contraste, corte axial, evidenciando aneurisma da aorta abdominal com focos gasosos em seu interior

 

 


Figura 1B - Tomografia computadorizada sem contraste, corte coronal, evidenciando aneurisma da aorta abdominal com focos gasosos em seu interio

 

 


Figura 2A - Tomografia computadorizada do abdome com contraste venoso, corte axial, evidenciando aneurisma de aorta abdominal, com trombo mural e focos gasosos

 

 


Figura 2B - Tomografia computadorizada do abdome com contraste venoso, corte coronal, evidenciando aneurisma de aorta abdominal, com trombo mural e focos gasosos

 

 


Figura 3A - Tomografia computadorizada do abdome após ingestão de contraste oral, corte axial, evidenciando extravasamento do contraste para o interior do saco aneurismático

 

 


Figura 3B - Tomografia computadorizada do abdome após ingestão de contraste oral, corte coronal, evidenciando extravasamento do contraste para o interior do saco aneurismático

 

ACHADOS RADIOLÓGICOS

Os métodos complementares diagnósticos mais utilizados são a esofagogastroduodenoscopia e tomografia computadorizada do abdome e pelve contrastada, sendo esta considerado o método de imagem mais indicado [2]. As alterações de imagem que sugerem a fístula aorto-entérica são: presença de ar periaórtico (achado mais importante, porém não específico), presença de líquido periaórtico, presença de falso-aneurisma, inflamação retroperitoneal, perda do plano de tecido adiposo entre a aorta e o intestino e o espessamento parietal intestinal [3]. O extravasamento do meio de contraste aórtico para a luz entérica ou de contraste entérico para o espaço periprotése são sinais diretos de fístula aorto-entérica, mas raramente identificados na TC. A arteriografia aórtica raramente diagnostica uma fístula aorto-entérica, porque a maioria dos doentes estáveis apresentam um trombo que oclui temporariamente a fístula, sendo mais utilizada para o planejamento cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

As fístulas aorto-entéricas primárias são incomuns, com incidência de 0,04 a 0,07%. As fístulas aorto-entéricas secundárias são mais comuns que as primárias e surgem após cirurgia aórtica prévia, com uma incidência de 0,3 a 4% [4]. Esta patologia pode ser classificada em primária, quando acontece espontaneamente, e associada a patologia da aorta abdominal nativa ou do trato digestivo, ou secundária, quando ocorre após cirurgia da aorta abdominal. Dentre os fatores de risco para a formação da fístula primária o principal desencadeante seria a pressão pulsátil contínua de um aneurisma em crescimento. O quadro clínico dos doentes está centrado na hemorragia digestiva, podendo estar associada a infecção e dor abdominal. Os diagnósticos diferenciais da fístula aorto-entérica, baseados nos achados imagiológicos são: a aortite infeciosa, o aneurisma aórtico infetado, a fibrose retroperitoneal e a infeção protésica sem fistulização. O tratamento da fístula aorto-entérica é cirúrgico, sendo o mesmo influenciado pela presença ou ausência de hemorragia ativa, tipo de fístula, anatomia do aneurisma ou de doença arterial obstrutiva associados e a extensão da sepse. A taxa de mortalidade associada à fístula aorto-entérica não tratada cirurgicamente é de 100% [2]. Naqueles abordados cirurgicamente a mortalidade é de aproximadamente 50%. Trata-se de patologia rara cujo diagnóstico deve ser lembrado nos casos aneurisma da aorta abdominal.

 

REFERÊNCIAS

1. Vu QD, Menias CO, Bhalla S, Peterson C, Wang LL, Balfe DM. Aortoenteric fistulas: CT features and potential mimics. Radiographics. 2009 Jan-Feb;29(1):197-209. doi: 10.1148/rg.291075185. PMID: 19168845.

2. Hughes FM, Kavanagh D, Barry M, Owens A, MacErlaine DP, Malone DE. Aortoenteric fistula: a diagnostic dilemma. Abdom Imaging 2007; 32:398–402.

3. Raman SP, Kamaya A, Federle M, Fishman EK. Aortoenteric fistulas: spectrum of CT findings. Abdom Imaging. 2013 Apr;38(2):367-75. doi: 10.1007/s00261-012-9873-7. PMID: 22366854.

4. Voorhoeve R, Moll FL, de Letter JA, Bast TJ, WesterJP, Slee PH. Primary aortoenteric fistula: report ofeight new cases and review of the literature. AnnVasc Surg 1996; 10:40–48.

Artigo recebido em quarta-feira, 3 de julho de 2024

Artigo aprovado em quarta-feira, 10 de julho de 2024

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