• ISSN (On-line) 2965-1980

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Emergência

HEMATOMA PERIRRENAL ESPONTÂNEO: UMA RARA APRESENTAÇÃO

Laio Bastos de Paiva Raspante 1, Henrique Cezar Lancuna 2, Leonardo Pereira Robleto 3, Carlos Henrique Mascarenhas Silva 4

Resumo

Homem, 77 anos, submetido a ultrassonografia (US) por doença renal crônica, que evidenciou sinais de nefropatia crônica e cistos simples no rim esquerdo, com achado adicional de aneurisma da artéria ilíaca comum esquerda. Após documentação dos achados por angiotomografia e correção com endoprótese, o paciente apresentou dor abdominal, foi submetido angiorressonância (AngioRM) e nova US, com diagnóstico de hematoma subcapsular espontâneo à angioRM e hematoma após ruptura de cisto renal à US.

Dados do caso

Masculino, 77 anos.

Palavras chaves

Hematoma, Nefropatias, Lesão Renal Aguda, Córtex Renal, Neoplasias Renais, Insuficiência Renal.

Histórico Clínico

Paciente do sexo masculino, 77 anos, hipertenso e hipotiroideu, comparece ao serviço de ultrassonografia (US) para exame de rotina do aparelho urinário por doença renal crônica não-dialítica. O paciente não apresentava história de trauma, contexto infeccioso, terapia anticoagulante ou outras doenças de base. A US evidenciou achados sugestivos de nefropatia crônica bilateral incipiente, traduzida por leve aumento da ecogenicidade cortical e perda da diferenciação córtico-medular e afilamentos focais na cortical do rim direito, configurando cicatrizes renais. Foram documentados na ocasião dois cistos corticais de aspecto simples, exofíticos, localizados no terço médio do rim esquerdo. Ainda no exame de rotina foi identificado como achado adicional, na topografia da fossa ilíaca esquerda um possível aneurisma de artéria ilíaca comum ipsilateral, associado a trombose mural e ateromatose calcificada, sendo então sugerida extensão da propedêutica. O paciente foi submetido a angiotomografia computadorizada multislice da aorta torácica, abdominal e das artérias ilíacas (AngioTC) que documentou a dissecção da artéria ilíaca comum esquerda e a dilatação aneurismática da luz falsa, com extenso trombo mural com calcificações de permeio. Ao método, ainda foram identificados aneurisma sacular da artéria mesentérica superior e aneurisma sacular da artéria esplênica. As artérias renais direita e esquerda mostravam-se pérvias, de trajeto e calibre usuais e contornos regulares, livres de estenoses significativas e sem artérias acessórias. O paciente foi então submetido a correção endovascular do aneurisma da artéria ilíaca esquerda e embolização da artéria ilíaca interna ipsilateral. Evoluiu com dor abdominal e em membro inferior esquerdo sendo submetido a angioressonância magnética do abdome e pelve (AngioRM) e nova US do aparelho urinário. A AngioRM confirmou o surgimento agudo do hematoma subcapsular renal à esquerda, caracterizado pelo hiperssinal nas sequências ponderadas em T1 e T2. A US mostrou uma formação cística no terço médio do rim esquerdo, com paredes espessadas, contornos irregulares, conteúdo heterogêneo, apresentando traves e focos ecogênicos de permeio, sem fluxo ao estudo com Doppler colorido, sendo aventada a hipótese de cisto renal roto com hematoma no interior.

Achados Radiológicos

Os hematomas perirrenais espontâneos (SPH) tem apresentação variada nos diferentes métodos de imagem e ainda podem ter aspecto variado no mesmo método de acordo com sua evolução temporal. À TC mostram-se hiperdensos nas fases agudas, ao passo que nos estágios subagudos e crônicos possuem densidade heterogênea ou intermediária, com densidade de Hounsfield próxima à da água. Ocasionalmente, os SPH podem formar nível líquido-líquido com deposição do componente hemático[1]. A aquisição de imagens antes e após a administração de contraste intravenoso com fases corticomedular, nefrográfica ou excretora e cortes finos geralmente é suficiente para o diagnóstico dentro do contexto clínico adequado e permite estabelecer o local, tamanho, extensão e, muitas vezes, a causa subjacente do sangramento. Quando a etiologia não é bem definida, o controle tomográfico em alguns meses, pode ser indicado para pesquisar a presença de tumores renais que podem ser ocultados principalmente por hematomas volumosos [2]. No caso em questão, o estudo tomográfico (figura 1) confirmou a etiologia da SPH visto previamente à US (figura 2) que evidenciou a presença de cistos simples, além de documentar a presença do aneurisma de artéria ilíaca trombosado (figuras 1 e 3). A US é bastante útil por ser um exame de fácil acesso, com possibilidade de rápida identificação do comprometimento renal, porém com menor sensibilidade em relação à TC para identificar a etiologia subjacente e portanto menos precisa quando a causa não é previamente determinada, diferentemente do caso em questão [3]. Os achados ecográficos incluem lesões renais com aspecto sólido-cístico, conteúdo heterogêneo, com focos ecogênicos de permeio e contornos irregulares, sendo por vezes indistinguíveis dos tumores e abscessos renais (figura 4) [4, 5]. A Ressonância magnética (RM) pode ser uma opção quando a TC com contraste é contra-indicada ou mesmo ser utilizada em combinação com TC para o diagnóstico preciso dos SPH [6]. A RM é mais precisa na determinação do estágio evolutivo do hematoma baseado taxas de degradação da hemoglobina. Nas fases precoces, os SPH apresentam hiperssinal nas sequências ponderadas em T1 e T2 (figura 5 - A e B) e, nos estágios mais avançados, hipossinal nessas mesmas sequências devido à deposição de hemossiderina. O método auxilia ainda na determinação de coleções com conteúdo proteico e de lesões com componente gorduroso [7].

Discussão

O hematoma renal subcapsular espontâneo (síndrome de Wünderlich) é uma entidade rara que se caracteriza pelo sangramento renal espontâneo confinado aos espaços subcapsular (fáscia de Gerota) e perirrenal. Pode manifestar-se por desde hematúria até dor no flanco/lombar, massa retroperitoneal e sinais clínicos de hemorragia aguda / instabilidade hemodinâmica por choque hipovolêmico, compondo a "tríade de Lenk". Mimetiza, assim, condições abdominais agudas, como apendicite aguda, víscera perfurada ou aneurisma dissecante [2]. A etiologia do hematoma perinefrético é ampla e pode ser decorrente de diversos mecanismos como trauma, secundário a biópsias renais, ablação, nefrostomia ou procedimentos de litotripsia, sendo distinguíveis pelo contexto clínico. No que tange o sangramento espontâneo, os tumores renais representam a principal causa, com o angiomiolipoma como principal representante das neoplasias benignas e o carcinoma de células renais como principal etiologia maligna. Outras potenciais causas seriam as doenças vasculares como poliarterite nodosa / vasculites, aneurismas de artérias renais, malformações arterio-venosas e situações de diátese hemorrágica por exemplo hemofilia, trombocitopenia e insuficiência hepática [1]. Sendo ainda menos frequentemente decorrente de infecções, status pós-utilização de antiplaquetários e anticoagulantes por procedimentos endovasculares, hipertensão arterial sistêmica e cistos renais [6]. Os métodos de imagem, dessa maneira, têm o objetivo de identificar a condição, documentar a extensão e provável etiologia para a hemorragia espontânea, ressaltando-se o papel da arteriografia renal particularmente relevante no diagnóstico de condições vasculares e realizada quando a embolização de emergência é necessária [3]. O manejo é baseado na origem do sangramento e na condição clínica do paciente, sendo na maioria das vezes conservador, podendo ou não haver cobertura com antibióticos. Naqueles pacientes instáveis, a maioria responde bem às medidas iniciais de ressuscitação e não necessitam de intervenção cirúrgica [2]. A nefrectomia é um procedimento controverso, podendo ser particularmente aventado nos casos em que a etiologia do hematoma não é identificada, com o intuito de tratar uma possível neoplasia renal subjacente[3].

Lista de Diferenciais

  • Tumores renais
  • Infarto renal
  • Vasculites
  • Hemorragia adrenal
  • Abscesso renal

Diagnóstico

  • Hematoma perirrenal espontâneo (síndrome de Wünderlich)

Aprendizado

O hematoma perirrrenal espontâneo possui uma variada lista de etiologias, com sintomatologia e expressão clínica diversas. O conhecimento dos diferentes mecanismos dessa entidade se faz necessário para evitar a abordagem cirúrgica naquelas condições tipicamente benignas que podem ser seguidas de maneira conservadora pelos diferentes métodos de imagem.

Referências

1 Mitreski G, Sutherland T. Radiological diagnosis of perinephric pathology: pictorial essay 2015. Insights Imaging. 2017;8(1):155-169.
2 Tebet F, Lopes M, Duarte PV, Farjoun L, José , Telles L, et al. Hematoma perirrenal espontâneo (síndrome de wünderlich) pósarteriografia diagnóstica. Relatos Casos Cir.2016;(1):1-5
3 Loureiro JL, Mendonça KG, Pacheco GA, Soutinho MF, Presídio GÁ, Ferreira AF et al . Hematoma perirrenal espontâneo em paciente lúpica submetida a tratamento hemodialítico e portadora cistos renais adquiridos. J. Bras. Nefrol. [Internet]. 2013 June [cited 2020 Aug 25] ; 35( 2 ): 162-164
4 Diaz JR, Agriantonis DJ, Aguila J, Calleros JE, Ayyappan AP. Spontaneous perirenal hemorrhage: what radiologists need to know. Emerg Radiol. 2011;18(4):329-334.
5 Shih WJ, Pulmano C, Han JK, Lee C. Spontaneous subcapsular and intrarenal hematoma demonstrated by various diagnostic modalities and monitored by ultrasonography until complete resolution. J Natl Med Assoc. 2000;92(4):200-205.
6 Greco M, Butticè S, Benedetto F, et al. Spontaneous Subcapsular Renal Hematoma: Strange Case in an Anticoagulated Patient with HWMH after Aortic and Iliac Endovascular Stenting Procedure. Case Rep Urol. 2016;2016:2573476.
7 Baishya RK, Dhawan DR, Sabnis RB, Desai MR. Spontaneous subcapsular renal hematoma: A case report and review of literature. Urol Ann. 2011;3(1):44-46.

Imagens


Figura 1 - Reformatação coronal de angiotomografia computadorizada multislice da aorta torácica, abdominal e das artérias ilíacas imagens evidenciando dissecção da artéria ilíaca comum esquerda e grande dilatação aneurismática da falsa luz, com trombo mural e calcificações de permeio (seta branca). Presença de cistos corticais renais simples à esquerda (setas verdes).


Figura 2 - Rim esquerdo de forma, topografia, mobilidade e dimensões normais. O parênquima apresenta leve aumento da ecogenicidade, com perda da diferenciação córtico-medular. Verificam-se dois cistos corticais de aspecto simples, exofíticos, localizados no terço médio (entre os calipers).


Figura 3 - Possível aneurisma de artéria ilíaca comum esquerda (seta branca) com trombose mural e ateromatose associada (seta verde) - estudo não direcionado.


Figura 4 - Rim esquerdo de forma, topografia, mobilidade e dimensões normais. O parênquima apresenta leve aumento da ecogenicidade, com perda da diferenciação córtico-medular. Verifica-se no terço médio formação cística, com paredes espessadas e contornos irregulares, conteúdo heterogêneo, apresentando traves e focos ecogênicos de permeio (seta branca). Cisto cortical simples, localizado no terço médio (seta verde).


Figura 5 - Angiografia por ressonância magnética de abdome e pelve evidenciando hipersinal no aspecto lateral do terço médio do rim esquerdo na sequência axial ponderada em T1 com saturação de gordura – A (seta branca). O hipersinal também foi evidenciado na sequência ponderada em T2 com saturação de gordura – B (seta verde). Os achados confirmam o surgimento do hematoma subcapsular renal.

Artigo recebido em terça-feira, 25 de agosto de 2020

Artigo aprovado em domingo, 12 de dezembro de 2021

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