Eduardo Oliveira Pacheco 1, Giuseppe D'Ippolito 2
Resumo
Apresentamos um caso de desenvolvimento de cálculo no interior de uma vesícula biliar remanescente após colecistectomia pregressa, e evoluindo com compressão sobre a via biliar dilatando-a e provocando ictéricia, caracterizando uma síndrome de Mirizzi, com os seus aspectos na tomografia computadorizada e ressonância magnética.Dados do caso
Feminino 47 anos
Palavras chaves
Colelitíase, Colecistectomia, Imagem por Ressonância Magnética, Tomografia Computadorizada por Raios X, Complicações Pós-Operatórias
Histórico Clínico
A paciente apresentou em fevereiro de 2019 quadro de icterícia progressiva, associada a dor em hipocôndrio direito, sem melhora espontânea. Ela relata episódios prévios anuais de icterícia colestática flutuante, com duração aproximada de 15 dias e melhora espontânea, desde 2015. Refere colecistectomia aberta em junho de 2010, na vigência de colecistite aguda
Achados Radiológicos
A paciente foi submetida à ultrassonografia (US) do abdome superior que evidenciou apenas dilatação das vias biliares intra-hepáticas, e tomografia computadorizada (TC) sem contraste de abdome (figura 1), confirmando dilatação das vias biliares intra-hepáticas, revelando focos de aerobilia, e uma imagem ovalada, heterogênea, com focos gasosos de permeio, no leito vesicular, adjacente ao hilo hepático, medindo 5,0 cm, em contato com a confluência dos ductos hepáticos, a partir do qual se caracteriza a dilatação a montante da árvore biliar. A possibilidade diagnóstica de cálculo de vesícula biliar remanescente (VBR) / coto de ducto cístico (CDC) foi aventada. Na sequência de investigação diagnóstica foi realizada uma colangiorressonância (CRM) (figuras 2, 3 e 4), revelando um marcado hipossinal em T2 da imagem no hilo hepático, com discreto hipersinal em T1, e caracterizando melhor a dilatação da árvore biliar, a montante ao ducto hepático comum, relacionada a efeito compressivo da lesão supramencionada. A colangiografia percutânea (figura 5) evidenciou comunicação fistulizada do ducto hepático comum com a provável VBR/CDC, além de mostrar seu efeito estenótico sobre os dois terços proximais do colédoco e dilatação à montante, configurando a síndrome de Mirizzi.
Discussão
A síndrome pós-colecistectomia é caracterizada pela manutenção dos sintomas pré-operatórios mesmo após a colecistectomia, ocorrendo em cerca de 10 – 40% dos casos (1,2,3). Esta condição possui múltiplos fatores causais, não biliares e biliares, sendo a coledocolitíase, estenose traumática da via biliar, disfunção do esfíncter de Oddi, e VBR /CDC os exemplos de causas biliares (1,3). CDC longo é considerado quando seu comprimento é maior que 1,0 cm, ele é indistinguível histologicamente, e muitas vezes também por imagem, da VBR (1,4). Esses remanescentes podem ocorrer propositalmente ou inadvertidamente, em casos de dificuldades técnicas cirúrgicas, e tem apresentando aumento de sua frequência, relacionado com o uso mais amplo da vídeolaparoscopia (1,4). Destaca-se o fato de existirem diversas complicações potenciais relacionadas a essas estruturas, e entre elas, a formação de cálculos (1). Quanto maior o remanescente cirúrgico da VB ou do cístico, maior a probabilidade deste gerar cálculos, sendo um evento incomum de acordo com os relatos de casos e escassas séries de caso na literatura (1,4). A US possui baixa sensibilidade no diagnóstico, como demonstrado no caso aqui apresentado (1,4). Por outro lado, a CRM consiste no método de escolha, com sensibilidade variando de 95% a 100% e especificidade de 88% a 89% (1,4). Cálculos de vesícula biliar apresentam-se com hipossinal T2 e sinal variável em T1, sendo os de colesterol hipointensos e os pigmentados hiperintensos em T1, de acordo com seu grau de hidratação (5). A síndrome de Mirizzi é uma síndrome rara com incidência anual menor que 1% em países desenvolvidos, e especialmente rara em pacientes submetidos previamente à colecistectomia,com poucos relatos na literatura neste grupo de pacientes (3,6) . Essa entidade é caracterizada pela impactação de um cálculo no infundíbulo da vesícula biliar ou no ducto cístico que leva a obstrução do ducto hepático comum, seja por compressão mecânica ou processo inflamatório secundário e dilatação da via biliar é classificada com base na presença e gravidade da fistulização colecistobiliar (3,6).
Lista de Diferenciais
Diagnóstico
Aprendizado
Mesmo pacientes previamente submetidos à colecistectomia podem apresentar colelitíase e até mesmo colecistite, relacionada a remanescentes cirúrgicos da VB ou com coto longo do ducto cístico, evoluindo com síndrome pós-colecistectomia e sintomas biliares. Neste contexto, a CRM é o método de escolha na investigação diagnóstica. Reconhecer as características de sinal na RM dos diferentes tipos de cálculos biliares auxilia em estabelecer um diagnóstico específico.
Referências
Imagens
Figura 1: Reformatação coronal de TC sem contraste evidencia imagem heterogênea no interior no leito da vesícula biliar (seta),associado a dilatação da via biliar intra-hepática , com aerobilia (ponta de seta).
Figura 2: RM ponderada em T2, no plano coronal, mostra marcado hipossinal do cálculo (seta) e confirma a moderada dilatação da via biliar intra-hepática, a montante ao ducto hepático comum (ponta de seta), com aparente efeito compressivo do cálculo sobre vias biliares.
Figura 3: RM ponderada em T1, no plano axial, revela moderado hipersinal do cálculo, sugerindo natureza pigmentada do mesmo (seta).
Figura 4: Reformatação volumétrica da sequência colangiográfica, fortemente pesada em T2, revelando moderada dilatação difusa da árvore biliar intra-hepática, a montante ao ducto hepático comum, com “silêncio” biliar a jusante envolvendo os dois terços proximais do colédoco (ponta de seta).
Figura 5: A colangiografia percutânea demonstra um trajeto fistuloso do RVB/CDC com o ducto hepático comum (seta), e efeito estenótico sobre o ducto hepático comum e dois terços proximais do colédoco (ponta de seta). Na imagem da esquerda a extremidade do cateter encontra-se na topografia da fossa da vesícula biliar, onde reside o cálculo observado nos exames de TC e RM e apresenta-se aqui como falha de enchimento.
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Artigo recebido em sábado, 25 de janeiro de 2020
Artigo aprovado em sexta-feira, 31 de janeiro de 2020