Caio Cesar Fontana 1, Fernanda da Silveira Malacarne 2, Patrícia Prando Cardia 3
DOI: 10.5935/2965-1980.2022v1n1a28
Resumo
As malformações congênitas uterinas são frequentemente associadas às anomalias urinárias e em menor frequência, às malformações do canal inguinal devido ao desenvolvimento em comum destas estruturas durante a embriogênese. A coexistência de malformações genito-urinárias e endometriose tem sido descrita na literatura. Descreveremos uma rara associação entre estas malformações, caracterizada pela presença do “rim em panqueca”, útero unicorno, herniação do ovário no canal de Nuck e endometriose.Dados do caso
Feminino 30 anos
Palavras chaves
Útero, Anormalidades Urogenitais, Hérnia Inguinal, Embriologia, Endometriose
Histórico Clínico
Mulher, 30 anos, assintomática e sem comorbidades prévias. Exame físico normal. Realizou ultrassonografia transvaginal (USTV) para inserção de dispositivo intrauterino (DIU) que evidenciou lesão expansiva sólida pélvica, de contornos lobulados. Prosseguimento da investigação com histerossalpingografia e ressonância magnética (RM) da pelve.
Achados Radiológicos
Ultrassonografia transvaginal evidenciou massa sólida de contornos lobulados na cavidade pélvica (Fig.1) e útero deslocado para a direita. O ovário esquerdo não foi identificado e região anexial se encontrava livre. Ovário direito de aspecto preservado. Realizada histerossalpingografia (Fig. 2) que demonstrou cavidade uterina de dimensões reduzidas, oblonga e desviada para a direita da linha média. A RM da pelve (Fig. 3) evidenciou rins pélvicos, com fusão dos polos superiores e inferiores (“rim em panqueca”) com ureteres distais e junções ureterovesicais tópicas. Evidenciado útero unicorno lateralizado para a direita, sem evidências de corno rudimentar (Fig. 4 e 5). Presença de tecido endometriótico fibrótico (baixo sinal em T2) na região retrocervical à direita (Fig. 5) atingindo a parede lateral do reto acima da reflexão peritoneal. Ovário esquerdo identificado no canal de Nuck esquerdo, apresentando dimensões e sinal preservados (Fig. 6).
Discussão
É fundamental a compreensão da embriogênese do trato genito-urinário para entendimento da correlação entre as malformações renais, uterinas e do canal inguinal. Os rins se originam do mesoderma paraxial e, a partir deste, são formados três conjuntos de rins primitivos (pronefro, mesonefro e o metanefro). O metanefro dará origem ao rim definitivo e o mesonefro involui, porém seus ductos permanecem e são chamados de ductos de Wolff e ductos mullerianos. Nos embriões do sexo feminino, a ausência de ativação SRY leva a involução dos ductos de Wolff, enquanto os ductos mullerianos se desenvolvem bidirecionalmente para as laterais e suas porções caudais se fundem, formando o útero. O útero unicorno ocorre quando há desenvolvimento normal de um dos ductos mullerianos e a interrupção do desenvolvimento do ducto contralateral. [1]. As malformações urinárias podem ocorrer em até 40% das pacientes com útero unicorno, sendo as mais comuns a agenesia renal, ectopia renal e rins em ferradura. Com a degeneração do mesonefro, forma-se uma evaginação denominada processo vaginal, que se estende até o tubérculo genital dando origem ao canal inguinal. [2] O processo vaginal passa por uma obliteração contínua até seu fechamento total no primeiro ano de vida. Quando há falha nesta obliteração, forma-se um espaço chamado canal de Nuck. [2-4]. Pode ocorrer herniação do ovário no canal de Nuck resultando em encarceramento e torção ovariana, sendo essencial o diagnóstico precoce. [5-7] O diagnóstico é feita na maioria dos casos na faixa etária pediátrica através da ultrassonografia [5,6]. O ovário herniado no canal de Nuck se apresentará com o aspecto habitual aos exames de imagem [6-8]. Ao estudo ultrassonográfico é fundamental a avaliação de possíveis complicações através do estudo Doppler, pois nos casos de torção, o fluxo vascular pode estar diminuído. [6,7] No caso acompanhado, evidenciou-se malformação urinária rara concomitante à malformação uterina e a herniação do ovário, o “rim em panqueca”. Esta anomalia renal caracteriza-se pela fusão completa dos polos superiores, médios e inferiores dos rins na pelve.[8] Estudos realizados estimam que 1 a cada 65.000 – 375.000 indivíduos são afetados, sendo raro ocorrer em mulheres. [9]. Observava-se também a presença de tecido endometriótico retrocervical atingindo a parede anterior do reto alto. Ressalta-se que a associação da endometriose com as malformações uterinas é descrita como evento comum na literatura [10], porém o achado incidental destas entidades em conjunto em paciente assintomática é pouco conhecido.
Lista de Diferenciais
Diagnóstico
Aprendizado
É essencial a compreensão da embriogênese do trato urinário para o entendimento da correlação entre as malformações renais, uterinas e do canal inguinal. Ao identificar uma malformação mulleriana de forma incidental é imprescindível a avaliação das lojas renais e canais inguinais, lembrando da rara associação com a herniação ovariana. A RM permite a avaliação completa destas malformações congênitas e a identificação de outras alterações, como neste caso, a presença de endometriose associada.
Referências
Imagens
Fig. 1 – USG transvaginal: identificada massa pélvica de contornos lobulados (aspecto “riniforme”)
Fig. 2 – Histerossalpingografia – pequena cavidade uterina oblonga desviada para a direita (seta): útero unicorno.
Fig. 3 - RM, Axial T2 – Massa lobulada na cavidade pélvica, caracterizando “rim em panqueca” (seta).
Fig. 4. - RM, Coronal T2 – Rins pélvicos com união dos polos superiores e inferiores “Rim em panqueca” (seta branca) e útero unicorno lateralizado à direita (cabeça de seta).
Fig. 5. - RM, T2 volumétrico, reformatação múltiplanar evidencia útero unicorno (cabeça de seta) e tecido fibrótico endometriótico retrocervical (seta) com extensão para a parede lateral do reto (parcialmente demonstrado nestas imagens) e o rim pélvico (seta curva).
Fig. 6. RM – Axial T2 – Insinuação do ovário esquerdo no interior do canal de Nuck (seta).
Vídeos
Artigo recebido em quinta-feira, 27 de maio de 2021
Artigo aprovado em quarta-feira, 11 de agosto de 2021