• ISSN (On-line) 2965-1980

Artigo

Acesso livre Revisado por pares

0

Visualizações

Genital (Feminino)

PLACENTA PRÉVIA CENTRO-TOTAL COEXISTINDO COM PLACENTA PERCRETA

Rafael Pimenta Camilo 1, Jéssica Souto Morlin 2, Alberto Borges Peixoto 3, Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza 4

Resumo

Hemorragias do terceiro trimestre são condições comuns em atendimentos obstétricos. A ultrassonografia é o primeiro método de imagem a ser realizado, e pode evidenciar causas corriqueiras e potencialmente graves, como no caso relatado. Gestante, 28 semanas e 3 dias, com hemorragia uterina súbita, e exames de imagem evidenciando placenta prévia centro-total e placenta percreta. Submetida, então, a histerectomia total abdominal, o padrão-ouro para tratamento.

Dados do caso

Feminino, 31 anos.

Palavras chaves

Placenta Prévia, Hemorragia Uterina, Histerectomia.

Histórico Clínico

VGS, feminino, 31 anos, G6P4C4A1, 28 semanas e 3 dias, compareceu ao atendimento referindo episódio único de sangramento transvaginal vermelho vivo em moderada quantidade, sem dor ou enrijecimento abdominal associados, e movimentação fetal satisfatória. Relata hematúria de início frequente, sem demais queixas. Ao exame físico, dinâmica uterina ausente, presença de sangue vermelho vivo em pequena quantidade no fundo de saco sem saída ativa pelo orifício externo, e ao toque vaginal, colo grosso, impérvio, com sangue em dedo de luva.

Achados Radiológicos

Para prosseguimento investigativo, foi realizada ultrassonografia (US) obstétrica que evidenciou placenta localizada na parede uterina anterior estendendo-se para o segmento inferior e recobrindo o colo uterino (Figura 1). Caracterizou-se, então, placenta prévia centro-total. Além disso, foram observados lagos placentários aberrantes, ausência de distinção dos planos de clivagem entre a placenta e o miométrio (Figura 2), e aumento difuso da vascularização ao estudo com Doppler colorido (Figura 3), sugerindo acretismo placentário. A avaliação foi complementada com ressonância magnética pélvica, sem a injeção do meio de contraste, que evidenciou uma placenta prévia completa com inserção das 5h às 10h (Figura 4), invadindo até o miométrio, mas não ultrapassando a serosa, e distando da bexiga 0,4 cm, com estruturas vasculares pélvicas conservadas (Figura 5). Após reunião multidisciplinar foi optado por conduta expectante até 35 semanas, quando foi repetida o exame de ressonância magnética, que neste momento confirmou a placenta prévia centro-total. Além disso, já havia invasão da serosa uterina, predominando nas porções anteroinferiores e lateral direita, associada a irregularidades na interface com parede abdominal anterior e lateral direita (Figura 6). A paciente foi conduzida para cesariana eletiva com 35 semanas e 3 dias e submetida a histerectomia total abdominal. No procedimento, ao se realizar abertura da musculatura abdominal, foi observada invasão placentária da parede abdominal anterior esquerda com hemorragia local, confirmando os achados de imagem.

Discussão

Placenta prévia é a implantação placentária no segmento inferior uterino, aproximando-se de seu orifício interno [1]. É a causa mais comum causa de sangramento no terceiro trimestre, incidindo em 0,5 a 1,0%. Subdivide-se de acordo com a relação entre a borda placentária e o orifício interno. Se houver recobrimento total deste pela porção média da placenta, como no caso relatado, é denominada placenta prévia centro-total [2]. Tal entidade pode relacionar-se ao acretismo placentário devido a adesão miometrial direta por deficiência de desenvolvimento decidual [3]. É uma associação rara, prevalente em 10% dos casos de placenta prévia [2]. Ocorre comumente no subtipo placenta percreta, quando há invasão da serosa uterina e de órgãos adjacentes [3]. Acredita-se que a inserção placentária viciosa, em localização e em profundidade, se dê por decidualização irregular em local de dano preexistente na interface endométrio-miométrio, secundária a intervenções cirúrgicas prévias, como cesarianas, curetagem ou remoção histeroscópica de adesões uterinas [4]. A queixa mais comum da placenta prévia é hemorragia repetida rutilante súbita e imotivada no terceiro trimestre, sem alterações de parâmetros de bem-estar fetal [5], enquanto que o acretismo placentário pode não ter sinais clínicos evidentes; porém, se houver comprometimento vesical e de estruturas adjacentes, pode haver hematúria [3]. A primeira modalidade de imagem performada, e a de escolha, na investigação é a US transvaginal [6]. Evidencia tecido placentário recobrindo o orifício interno do colo uterino em casos de placenta prévia [2]. Se houver suspeita de acretismo, outros métodos devem ser realizados: US obstétrica transabdominal e estudo Doppler colorido. Neles, a aderência placentária atípica ao útero é sugerida por afilamento endometrial < 1mm, perda da zona hipoecoica retroplacentária, ausência da interface decidual, lacunas placentárias irregulares com aspecto de “roído de traça” na escala de cinza, e fluxo interno turbulento ao estudo com Doppler em cores, sendo este o achado mais específico para acretismo. [7]. Ressonância magnética, por sua vez, é solicitada quando a US não é esclarecedora e em casos de placenta prévia com predomínio posterior. Os principais sinais de acretismo são protrusão placentária, placenta heterogênea, bandas escuras intraplacentárias nas imagens ponderadas em T2 e interrupção focal da parede miometrial [1]. O manejo terapêutico se dá por interrupção eletiva da gestação em torno de 34 semanas, associada a histerectomia total abdominal [8].

Lista de Diferenciais

  • Lagos placentários
  • Placenta increta
  • Placenta de inserção baixa

Diagnóstico

  • Placenta prévia centro-total coexistindo com placenta percreta

Aprendizado

Hemorragias do terceiro trimestre são condições comuns no atendimento de urgência e emergência em saúde da mulher. O especialista em ultrassonografia e diagnóstico por imagem deve reconhecer seus aspectos típicos de maneira eficaz para auxiliar na melhor tomada de decisão para o binômio materno-fetal.

Referências

[1] Elsayes KM, Trout AT, Friedkin AM et al. Imaging of the Placenta: A Multimodality Pictorial Review. Radiographics 2009; 29:1371–1391.
[2] Callen, PW. Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
[3] Santana DSN, Filho NLM, Mathias L. Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta prévia acreta com invasão de bexiga: revisão sistemática da literatura. Femina 2010, 38: 147-153.
[4] Varlas VN, Bors RG, Birsanu S et al. Maternal and fetal outcome in placenta accreta spectrum (PAS) associated with placenta previa: a retrospective analysis from a tertiary center. Journal of Medicine and Life 2021, 14: 367-375.
[5] Fernandes CE, Sá MFS, organizadores; Mariani C, coordenação. Tratado de Obstetrícia Febrasgo. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
[6] Fadl S, Moshiri M, Fligner CL, Katz DS, Dighe M. Placental Imaging: Normal Appearance with Review of Pathologic Findings. RadioGraphics 2017; 37:979–998.
[7] Jauniaux E, Collins S, Burton GJ. Placenta accreta spectrum: pathophysiology and evidence-based anatomy for prenatal ultrasound imaging. Am. J. Obstet. Gynecol. 2017, 1-13.
[8] Fernandes SLR, Lima ICC, Moreira DAA, Lobo MS, Guerra HS. Placenta percreta com invasão de bexiga: um relato de caso. Rev Med Minas Gerais 2020; 30: e-E0031.

Imagens


Figura 1: Ultrassonografia abdominal obstétrica, que evidencia a placenta se inserindo no segmento inferior do útero, ocluindo totalmente o orifício interno do colo, e se estendendo até a região posterior do útero.


Figura 2: Ultrassonografia endocavitária obstétrica, que evidencia afilamento da linha endometrial com perda da delimitação miométrio/endométrio (marcadores) e lagos placentários aberrantes.


Figura 3: Ultrassonografia endocavitária obstétrica, que utilizando o recurso de Doppler colorido confirma a presença de vasos venosos e arteriais, alguns calibrosos e com fluxo turbilhonado, infiltrando o miométrio até próximo à serosa uterina.


Figura 4: RM no plano axial, ponderada em T2, evidenciando placenta inserida das 5h às 10h, ocluindo totalmente o orifício interno do colo uterino. Nota-se invasão miometrial (setas amarelas).


Figura 5: RM no plano sagital, ponderada em T2, que demonstra interrupção da linha de hipossinal do miométrio por área circunscrita de sinal intermediário (setas vermelhas), que representa o tecido placentário.


Figura 6: RM em plano coronal, ponderada em T2 (TSE), evidenciando invasão da parede abdominal lateral direita (setas azuis).

Artigo recebido em sexta-feira, 19 de novembro de 2021

CCBY Todos os artigos científicos publicados em brad.org.br são licenciados sob uma licença Creative Commons.

All rights reserved 2022 / © 2024 Bradcases DESENVOLVIDO POR