• ISSN (On-line) 2965-1980

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Sistema Musculoesquelético

OSTEOMALÁCIA ONCOGÊNICA SECUNDÁRIA A TUMOR MESENQUIMAL FOSFATÚRICO

Paula Ferreira Possa 1, Luciene Mota de Andrade 2, Luciana Costa Silva 3, Marcelo Bordalo Rodrigues 4

Resumo

A osteomalácia induzida por tumor, ou osteomalácia oncogênica, é uma síndome paraneoplásica rara, relacionada na maioria das vezes a um tumor mesenquimal fosfatúrico ósseo ou de tecidos moles. Pacientes diagnosticados com osteomalácia oncogênica apresentam-se clinicamente com dor óssea, fraqueza, múltiplas fraturas e com alterações laboratoriais, incluindo hipofosfatemia, hiperfosfatúria, cálcio sérico normal, e níveis séricos elevados de fator de crescimento fibroblástico (FGF-23).

Dados do caso

Masculino, 56 anos.

Palavras chaves

Osteomalacia, Hipofosfatemia, Neoplasias Ósseas.

Histórico Clínico

Paciente do sexo masculino, com 56 anos, previamente hígido, apresentando dores ósseas de difícil controle há 6 meses, de padrão mecânico e relacionada às atividades diárias, notadamente na região sacral, com piora recente nas últimas 2 semanas. Sem atividade esportiva e sem história de trauma. Foi realizada ressonância magnética (RM) da bacia que identificou múltiplos traços de fratura e áreas de edema ósseo, além de duas lesões ósseas focais no osso ilíaco direito e cabeça femoral esquerda. Aventada a hipótese de fraturas por insuficiência e solicitado exames laboratoriais: função renal preservada, vitamina D, cálcio e paratormônio normais. Fósforo sérico: 2,0 mg/dL (2,5 - 4,5 )mg/dL; Fosfatase alcalina: 427 U/L (36 - 110 U/L); FGF-23: 130 kRU/L (26 - 110 kRU/L). Realizada tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-CT) com análogo da somatostatina DOTATOC (GÁLIO-68) que demonstrou hipercaptação na lesão da cabeça femoral esquerda. O paciente foi submetido à biópsia guiada por tomografia computadorizada. Confirmou-se o diagnóstico de tumor mesenquimal fusocelular com aspecto hemangiopericítico na cabeça do fêmur esquerdo. O anatomopatológico da lesão do osso ilíaco direito demonstrou displasia fibrosa. O paciente foi submetido à ablação por radiofrequência da lesão na cabeça femoral, seguida por melhora clínica e do quadro laboratorial, com normalização do fósforo sérico e urinário.

Achados Radiológicos

RM da bacia demonstra diversos traços de fratura nos ossos ilíacos, asas sacrais (figura 1) e fraturas subcondrais nas regiões centrais das cabeças femorais (figuras 2), que diante da ausência de história clínica de trauma sugerem fraturas por insuficiência. Foram caracterizadas também duas lesões ósseas focais, uma no osso ilíaco direito, bem circunscrita com área de hipersinal anelar periférica e realce homogêneo após contraste (figura 3) e outra lesão óssea na cabeça femoral esquerda, próxima à fóvea, com realce anelar periférico (figura 4). Realizado PET-CT com análogo da somatostatina DOTATOC (GÁLIO-68) que evidenciou lesão hipoatenuante no corpo do ílio à direita, de bordas regulares e zona de transição estreita, sem hiperexpressão do análogo de somatostatina (Figura 5) e foco de esclerose subcondral na cabeça do fêmur esquerdo, com acentuado aumento da expressão de receptores de somatostatina (figura 6).

Discussão

A osteomalácia oncogênica é uma doença rara, em sua maioria acomete adultos de meia idade e pode se manifestar de forma secundária a tumores mesenquimais fosfatúricos (TMF) ósseos ou de tecidos moles [1][2]. Os TMF são responsáveis por uma produção exacerbada de um hormônio fosfatúrico chamado fator de crescimento fibroblástico 23 (FGF-23) que atua nos túbulos renais proximais reduzindo a reabsorção de fosfato. A fosfatúria e hipofosfatemia secundárias a este processo contribuem para a falha na mineralização óssea, resultando em osteomalácia [1][3]. A busca pela lesão tumoral responsável por essa cascata de complicações clínicas é crucial, uma vez que quando tratados há resolução completa das alterações laboratoriais e da osteomalácia [1][4]. Os tumores têm diversas formas de apresentação, localizações e tamanho variados, diferentemente do nosso caso, são comumente relatados como lesões osteolíticas, com baixo sinal nas sequências ponderadas em T1, hipersinal nas sequências ponderadas em T2 contendo e pequenos focos de baixo sinal (dark sign) [4]. Outra característica importante nestes tumores é que apresentam expressão em grau variado de cinco tipos de receptores da somatostatina, tornando marcadores análogos da somatostatina como PETCT com DOTATATE (68) úteis na detecção e diagnóstico da lesão focal [4][5]. A análise em conjunto da clínica, exames laboratoriais e dos achados de imagem é fundamental para o diagnóstico desta desta entidade, que apesar do curso dramático, são neoplasias benignas e quando diagnosticadas e tratadas corretamente levam a resolução completa dos sinais e sintomas.

Lista de Diferenciais

  • Fraturas relacionadas a infiltração medular secundária
  • Osteoporose
  • Hiperparatireoidismo
  • Deficiência de vitamina D

Diagnóstico

  • Osteomalácia oncogênica secundária a tumor mesenquimal fusocelular com aspecto hemangiopericítico.

Aprendizado

Fraturas múltiplas e em localizações atípicas em pacientes sem história de trauma ou epidemiologia para osteoporose devem ser investigadas. Sempre lembrar que apesar de rara a osteomalácia induzida por tumor deve entrar nos diagnósticos diferenciais de alterações do metabolismo ósseo no contexto adequado, sendo que a busca pelo tumor causador nem sempre é simples e pode envolver diferentes métodos de imagem.

Referências

1. Folpe AL. Phosphaturic mesenchymal tumors: A review and update. Seminars in Diagnostic Pathology. 2019 Jul;36(4):260-8.
2. Bhan A, Rao AD, Rao DS. Osteomalacia as a Result of Vitamin D Deficiency. Endocrinology and Metabolism Clinics of North America. 2010 Jun;39(2):321-31.
3. Chang CY, Rosenthal DI, Mitchell DM, Handa A, Kattapuram SV, Huang AJ. Imaging Findings of Metabolic Bone Disease. RadioGraphics. 2016 Out;36(6):1871-87.
4. Broski SM, Folpe AL, Wenger DE. Imaging features of phosphaturic mesenchymal tumors. Skeletal Radiology. 9 jul 2018;48(1):119-27.
5. Singh D, Chopra A, Ravina M, Kongara S, Bhatia E, Kumar N, Gupta S, Yadav S, Dabadghao P, Yadav R, Dube V, Kumar U, Dixit M, Gambhir S. Oncogenic osteomalacia: role of Ga-68 DOTANOC PET/CT scan in identifying the culprit lesion and its management. The British Journal of Radiology. 2017 Abr;90(1072):20160811

Imagens


Figura 1: Cortes coronais turbo spin eco (TSE) ponderados em T1 (A) e T2 (B) com supressão de gordura (FS). Múltiplas traços de hipossinal em T1, envoltos por alteração do sinal do tipo edema em T2 nas asas sacrais e ossos ilíacos, com extensão à superfície articular.


Figura 2 Cortes coronais (A e B) e sagitais (C) TSE ponderados em T1 e T2 com supressão de gordura. Fratura subcondral nas porções centrais da cabeça femoral esquerda.


Figura 3: Cortes axiais TSE ponderados em T1 (A), T2 FS (B) e T1 FS após contraste endovenoso (C). Lesão óssea no osso ilíaco direito, bem circunscrita, caracterizando-se área anelar periférica de hipersinal em T2. Após a administração endovenosa do contraste a lesão sofre moderado realce homogêneo.


Figura 4: Cortes axiais TSE ponderados em T1 (A), T2 FS (B) e T1 FS após contraste (C). Lesão óssea, nas porções posteromediais da cabeça femoral esquerda, próxima à fóvea, bem circunscrita e com realce periférico após contraste.


Figura 5: Cortes axiais PETCT DOTATOC (GÁLIO-68). Lesão ovalada hipodensa (55 UH) no corpo do ílio direito, de bordas regulares e zona de transição estreita (A). Não há hiperexpressão do análogo de somatostatina em correspondência a lesão(B).


Figura 6: Cortes axiais PETCT DOTATOC (GÁLIO-68). Pequena área de esclerose focal na região posteromedial na cabeça do fêmur esquerdo, de limites regulares e parcialmente definidos, com zona de transição levemente alargada (A), com expressão molecular de receptores de somatostatina em grau acentuado (B).

Artigo recebido em segunda-feira, 17 de maio de 2021

Artigo aprovado em quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

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