• ISSN (On-line) 2965-1980

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Genital (Feminino)

SÍNDROME DE HERLYN-WERNER-WUNDERLICH

Luan dos Santos Castro 1, Cézar Ricardo Rathke 2, Luiz Artur Cezar Portella 3

Resumo

A síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich, é uma anomalia congênita rara, caracterizada pela combinação das anomalias dos ductos meso e paramesonéfricos, determinando útero didelfo associado a hemivagina obstruída e agenesia renal ipsilateral. Descrita em 1971, geralmente se apresenta como massa dolorosa e dismenorreia, diferindo-se do presente relato de caso, o qual apresentou-se por dor abdominal de início agudo. O caso relatado traz ainda a rara associação a presença de situs inversus.

Dados do caso

Feminino, 12 anos.

Palavras chaves

Ductos Paramesonéfricos, Rim Único, Anormalidades Urogenitais, Útero.

Histórico Clínico

Paciente adolescente, 12 anos, sexo feminino, acompanhada pela assistência social, proveniente de abrigo por contexto de vulnerabilidade social após episódio de abuso sexual no passado, sendo atendida no Pronto Socorro com quadro clínico de dor abdominal de início há 3 semanas, em fossa ilíaca esquerda, de início abrupto, caracterizada em forte intensidade. Havia realizado analgesia prévia, sem melhoras do quadro álgico. Referia menarca aos 10 anos, sexarca aos 11 anos. Nega concomitâncias ou história patológica pregressa. Realizado exame especular e toque bimanual, o qual evidenciou dor à mobilização de anexos. Solicitado complemento da investigação através de exames de imagens e laboratoriais, evidenciando-se anemia normocítica e normocrômica, e no ultrassom (US) transvaginal, massa cística ocupando a pelve, com ecos internos, de conteúdo denso. Realizado então tomografia computadorizada (TC) de abdome, que evidenciou útero aumentado de volume, com conteúdo cístico/hemático, associado a agenesia renal esquerda. Após a realização de ressonância magnética (RM) da pelve, evidenciou-se a malformação uterina de útero didelfo, com hemiútero à esquerda distendido por conteúdo hemático, com hemivagina esquerda obstruída por septo. O conjunto de achados definiu o diagnóstico da síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich. Paciente foi encaminhada à cirurgia, sendo realizado septoplastia e drenagem do conteúdo hemático represado.

Achados Radiológicos

TC do abdome evidenciando aumento volumétrico do útero, o qual apresentou-se com paredes espessas, com conteúdo de provável natureza hemática, sugestivo de hematocolpo (figura 1). Adicionalmente, evidenciado ainda a agenesia renal à esquerda, além de inversão das topografias do fígado e baço, determinando situs inversus (figura 2), confirmado pela inversão do coração em radiografia (RX) de tórax (figura 3). À RM de pelve foi possível identificar com detalhes a malformação uterina característica de útero didelfo, com hemiútero à esquerda distendido por conteúdo hemático (hematocolpo) com estenose ao nível da transição cérvico-vaginal à esquerda. O hemiútero à direita apresentava características habituais (figuras 4 e 5).

Discussão

A síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich, também conhecida como OHVIRA (acrônimo de Obstructed Hemi-vagina with Ipsilateral Renal Agenesis), tem uma incidência estimada em 1/2.000 a 1/28.000, sendo acompanhada de agenesia renal unilateral em 43% dos casos, tornando-se sintomática geralmente a partir do advento da puberdade. Apresenta-se mais frequentemente acometendo o lado direito do útero, sendo a sintomatologia mais comum a presença de: dismenorreia, massa abdominal, endometriose, retenção urinária aguda, piometra (1,2,9). As malformações Müllerianas são relatadas há anos, sendo originadas a partir do não desenvolvimento ou falha de fusão dos ductos de Müller (paramesonéfricos), bem como da falha de reabsorção do septo uterino, apresentando uma incidência de até 5% (3,4). Apesar da síndrome ter uma patogenia desconhecida até então, é bem documentada a associação entre a malformação Mülleriana do tipo III e falha no desenvolvimento dos ductos de Wolff (mesonéfricos), envolvidas na formação da síndrome que é representada pela tríade de útero didelfo, hemivagina obstruída e agenesia renal unilateral (5,6,7). Apesar de alguns relatos do uso de análogos de GnRH em pacientes adolescentes, na tentativa de postergar um procedimento cirúrgico ao manter a paciente em amenorreia (8), o tratamento de escolha se dá pela ressecção cirúrgica do septo obstrutivo (9), método pelo qual a paciente relatada fora submetida com sucesso, configurando plena resolução do caso. O presente caso destaca-se por sua apresentação com dor abdominal de início abrupto, sem história pregressa de dismenorreia, além da obstrução hemivaginal à esquerda, achado duas vezes menos comum quando comparado à direita (9). Adicionalmente, há ainda a rara associação da síndrome supracitada em um contexto de situs inversus.

Lista de Diferenciais

  • Outras malformações Müllerianas
  • Cistadenoma de ovário
  • Endometrioma

Diagnóstico

  • Síndrome de Herlyn-Werner-Wunderlich

Aprendizado

O presente caso se deu em uma situação muito típica para jovens radiologistas, residentes, ou até mesmo para aqueles profissionais mais experientes: o serviço de emergência. Ao iniciar uma investigação de dor abdominal, consideramos diagnósticos mais corriqueiros, sendo necessário um amplo diagnóstico diferencial. Apesar de raro, o notório conhecimento do relato dessa entidade amplia os limites diagnósticos do médico radiologista, ao se deparar com uma investigação de dor abdominal/dor pélvica.

Referências

1. Mandava A, Prabhakar RR, Smitha S. OHVIRA syndrome (obstructed hemivagina and ipsilateral renal anomaly) with uterus didelphys, an unusual presentation. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2012 Apr;25(2):e23-e25.
2. Del Vescovo R, Battisti S, Di Paola V, Piccolo CL, Cazzato RL, Sansoni I, Grasso RF, Zobel BB. Herlyn-Werner-Wunderlich syndrome: MRI findings, radiological guide (two cases and literature review), and differential diagnosis. BMC Med Imaging. 2012 Mar 9;12:4.
3. Nahum GG. Uterine anomalies. How common are they, and what is their distribution among subtypes? J Reprod Med. 1998 Oct;43(10):877-87.
4. Stampe Sørensen S. Estimated prevalence of müllerian anomalies. Acta Obstet Gynecol Scand. 1988;67(5):441-5.
5. Buttram VC Jr, Gibbons WE. Müllerian anomalies: a proposed classification. (An analysis of 144 cases). Fertil Steril. 1979 Jul;32(1):40-6.
6. Candiani GB, Fedele L, Candiani M. Double uterus, blind hemivagina, and ipsilateral renal agenesis: 36 cases and long-term follow-up. Obstet Gynecol. 1997 Jul;90(1):26-32.
7. Li S, Qayyum A, Coakley FV, Hricak H. Association of renal agenesis and mullerian duct anomalies. J Comput Assist Tomogr. 2000 Nov-Dec;24(6):829-34.
8. Vercellini P, Daguati R, Somigliana E, Viganò P, Lanzani A, Fedele L. Asymmetric lateral distribution of obstructed hemivagina and renal agenesis in women with uterus didelphys: institutional case series and a systematic literature review. Fertil Steril. 2007 Apr;87(4):719-24.
9. Kim TE, Lee GH, Choi YM, Jee BC, Ku SY, Suh CS, Kim SH, Kim JG, Moon SY. Hysteroscopic resection of the vaginal septum in uterus didelphys with obstructed hemivagina: a case report. J Korean Med Sci. 2007 Aug;22(4):766-9.

Imagens


Figura 1: Fase venosa, plano axial, mostra útero distendido por conteúdo provavelmente hemático com densidade de 34HU, com paredes espessas (seta). Bexiga (cabeça de seta).


Figura 2: A e B: Fase venosa, plano axial e coronal, mostra fígado localizado no hipocôndrio esquerdo (cabeça de seta), baço localizado no hipocôndrio direito (seta) por situs inversus. Ausência do rim esquerdo (estrela). Nota-se rim direito em topografia habitual, aumentado de tamanho.


Figura 3: Radiografia de Tórax em incidência póstero-anterior. Evidencia a dextrocardia, em um contexto de situs inversus.


Figura 4: A e B: RM de Pelve com imagens de sequências ponderadas em T2 no plano coronal. Mostra o útero didelfo com hemiutero direito de configuração habitual (seta branca) e importante distensão do hemiútero esquerdo, por conteúdo com sinal intermediário em T2 e alto sinal em T1 (ver figura 5), denotando provável caráter hemático, hematocolpo (cabeça de seta). Bexiga (estrela).


Figura 5: RM de Pelve com imagem ponderada em T1 no plano coronal. Mostra importante distensão do hemiútero esquerdo, por conteúdo com alto sinal em T1, e sinal intermediário em T2 (ver figura 4), denotando provável caráter hemático, hematocolpo.

Artigo recebido em terça-feira, 14 de julho de 2020

Artigo aprovado em domingo, 6 de setembro de 2020

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