Ana Paula Fraga Cintra Gonzaga 1, Alexandre Santana de Rezende 2, Caio Henrique Vanzella Garcia 3, Joao Marco Braga Teixeira 4, Augusto Castelli Von Atzingen 5
DOI: null
Resumo
O COVID-19 (Doença do Coronavírus) é uma doença respiratória viral causada pela síndrome respiratória aguda grave-coronavírus-2 (SARS-CoV-2). Os sintomas variam desde manifestações respiratórias a sistêmicas . As complicações comumente relatadas são a síndrome do desconforto respiratório agudo, complicações neurológicas, coagulopatias e a doença tromboembólica aguda. Neste relato descrevemos um paciente com COVID-19 que apresentou oclusão arterial aguda após melhora do quadro respiratório.Dados do caso
Masculino, 59 anos.
Palavras chaves
<font style="vertical-align: inherit;"><font style="vertical-align: inherit;">Coronavirus</font></font>, <font style="vertical-align: inherit;"><font style="vertical-align: inherit;">Vírus SARS</font></font>, <font style="vertical-align: inherit;"><font style="vertical-align: inherit;">Doenças Oclusivas Arteriais</font></font>.
Histórico Clínico
Paciente masculino de 59 anos de idade, ex-tabagista e portador de diabetes melito, iniciou quadro de tosse seca, desconforto respiratório e mialgia após uso da vacina contra gripe em abril de 2020. Após 3 dias, apresentou mal estar com calafrios, procurando o Pronto socorro , onde foi orientado o isolamento domiciliar. Dois dias depois procurou o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), com piora da dispnéia e alteração de paladar, sendo transferido ao pronto socorro local. Ao exame físico estava taquipneico, aparelho respiratório apresentando murmúrio vesicular diminuído, sem ruídos adventícios e saturando 75% em ar ambiente. Encaminhado para a Unidade de terapia intensiva (UTI) devido dessaturação aos pequenos esforços. Apresentava-se em Glasgow 15, saturando 82% em ar ambiente e 93% em máscara com reservatório. Murmúrio vesicular diminuído difusamente, sem ruídos adventícios. Em membros inferiores panturrilhas livres, sem edema. Com boa perfusão capilar e pulsos presentes. Aventada hipótese diagnóstica de pneumonia por COVID-19, Influenza ou atípica. Solicitado tomografia de tórax de alta resolução (TCAR) ,exames laboratoriais, isolamento respiratório e pesquisa para COVID-19 (RT-PCR). O resultado do diagnóstico molecular do coronavírus COVID-19 foi confirmado. A TCAR de tórax evidenciou aspecto típico para pneumonia viral por COVID-19 (Figuras 1 e 2). Laboratorialmente, PCR: 310 mg/dL; glicemia: 338 mg/dL; D-Dímero: 1,3 ng/mL FEU; Ferritina: 979 ng/mL; troponina: 0,1 ng/mL . Optou-se por iniciar Azitromicina, Ceftriaxona, Tamiflu e hidroxicloroquina, além de enoxaparina profilática. Após 07 dias em UTI paciente teve desmame de máscara com reservatório de oxigênio com sucesso, saturando 94 % com cateter nasal de oxigênio(O2). Murmúrio vesicular com melhora das crepitações em bases pulmonares. Esquema completo dos antibióticos finalizado e anticoagulação com enoxaparina mantida. Diante da melhora do quadro clínico , recebe alta para a enfermaria e posteriormente alta hospitalar. Após 3 dias da alta hospitalar, paciente retorna ao hospital com queixa de dor súbita em membro inferior direito (MID), há cerca de 7 horas, em panturrilha , associada a discreta frialdade.. Ao exame pulsos pediosos não palpáveis em MID o qual estava frio e discretamente cianótico. A hipótese diagnóstica de isquemia arterial do MID foi considerada. Solicitado doppler scan arterial deste membro, o qual evidenciou oclusão aguda nas artérias tibiais anterior e posterior (figura 3 e 4 ). Iniciado heparinização e alta hospitalar após melhora do quadro clínico.
Achados Radiológicos
Tomografia computadorizada de Tórax: Estudo tomográfico negativo para tromboembolismo pulmonar (TEP) . Áreas com atenuação em vidro-fosco associadas a espessamento liso dos septos interlobulares, caracterizando padrão de pavimentação em mosaico esparso bilateralmente, centralmente e perifericamente, acometendo de forma acentuada mais de 50% do parênquima pulmonar, podendo corresponder a processo inflamatório/infeccioso de origem viral COVID-19 (Figura 1 e 2). Doppler scan arterial do membro inferior direito: A expectrofluxometria modo B e pulsado com mapeamento em cores evidenciam fluxo no interior das artérias femorais comuns, superficiais, profundas, poplíteas, tibiais, pediosas, com velocidades sistólica e diastólica normais, exceto ausência de fluxo doppler nos terço distais das artérias tibial posterior e tibial anterior (Figura 3 e 4).
Discussão
A doença de coronavírus-2019 (COVID-19) pode predispor os pacientes à doença trombótica, tanto na circulação arterial quanto na venosa, em decorrência da inflamação excessiva, ativação plaquetária, disfunção endotelial e estase. Além disso, muitos pacientes que recebem terapia antitrombótica podem desenvolver COVID-19, o que pode ter implicações na escolha, dosagem e monitoramento laboratorial da terapia escolhida. A profilaxia com heparina de baixo peso molecular (HBPM) pode diminuir a geração de trombina e modificar o curso da coagulação intravascular disseminada. Resultados preliminares, embora com pequeno número de eventos e ajuste limitado, podem sugerir uma resposta favorável da profilaxia da HBPM para eventos trombóticos arteriais [1]. A doença trombótica arterial é uma possibilidade real na vivência clínica da pandemia do novo coronavírus, sendo necessários o monitoramento e o acompanhamento dos efeitos diretos do COVID-19 e efeitos indiretos da infecção, como doenças graves e hipóxia que podem predispor os pacientes a eventos trombóticos [1,2,3]. Os sinais clínicos devem sempre nos guiar a aventar tais possibilidades, além de mantermos o alerta para pacientes com anormalidades hemostáticas, incluindo coagulação intravascular disseminada (CID) e/ou doença cardiovascular. No evento agudo o Eco doppler arterial tem prioridade no pré-operatório da trombose arterial aguda pela facilidade de realização, sendo a arteriografia diagnóstica uma ótima opção para otimização do tratamento e revascularização do membro [3]. Corroboramos a necessidade de anamnese e de avaliação clínica/ cirúrgica minuciosa de tal perfil de paciente, além da profilaxia com anticoagulação , na tentativa de minimizar as evoluções desfavoráveis [4]. Este caso ilustra paciente diabético e ex-tabagista que mesmo em anticoagulação prévia evoluiu com oclusão arterial após infecção respiratória. Considerando a alta incidência de eventos tromboembólicos em pacientes críticos com COVID-19, a prevenção desse distúrbio deve ser essencial para reduzir a mortalidade nesses pacientes [4].
Lista de Diferenciais
Diagnóstico
Aprendizado
O desfecho da doença trombótica arterial é uma possibilidade real na pandemia do novo coronavírus. Indivíduos sem passado de doença cardiovascular apresentam risco de complicações cardiovasculares secundárias. A doença crítica, a resposta inflamatória grave e os fatores de risco tradicionais implícitos podem predispor a eventos trombóticos.
Referências
1. Bikdeli B, Madhavan MV, Jimenez D, et al. COVID-19 and Thrombotic or Thromboembolic Disease: Implications for Prevention, Antithrombotic Therapy, and Follow-Up: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2020;75(23):2950-2973. doi:10.1016/j.jacc.2020.04.031
2. Zhou, P., Yang, X., Wang, X. et al. Um surto de pneumonia associado a um novo coronavírus de provável origem em morcego. Nature 579, 270–273 (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-2012-
3. Wang D, Hu B, Hu C, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus–Infected Pneumonia in Wuhan, China. JAMA. 2020;323(11):1061–1069. doi:10.1001/jama.2020.1585
4. Temgoua MN, Kuaté LM, Ngatchou W, et al. Thromboembolic risks in patients with COVID-19: major concern to consider in our management. Pan Afr Med J. 2020;35(Suppl 2):10. Published 2020 Apr 27. doi:10.11604/pamj.2020.35.2.22945
Imagens
FIGURA 1: TCAR, corte coronal, Áreas com atenuação em vidro-fosco associadas a espessamento liso dos septos interlobulares, caracterizando padrão de pavimentação em mosaico esparso bilateralmente, centralmente e perifericamente.
FIGURA 2: TCAR, corte axial, Áreas com atenuação em vidro-fosco associadas a espessamento liso dos septos interlobulares, caracterizando padrão de pavimentação em mosaico esparso bilateralmente, centralmente e perifericamente, acometendo de forma acentuada mais de 50% do parênquima pulmonar.
Figura 3: Doppler scan arterial do membro inferior direito evidencia ausência de fluxo doppler na artéria tibial posterior.
Figura 4: Doppler scan arterial do membro inferior direito evidencia ausência de fluxo doppler no terço distal da artéria tibial anterior.
Artigo recebido em quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Artigo aprovado em sábado, 17 de outubro de 2020