• ISSN (On-line) 2965-1980

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Genital (Feminino)

ARMADILHA NA HISTEROSSALPINGOGRAFIA: HEMATOSSALPINGE SIMULANDO PERMEABILIDADE TUBÁRIA

Fernanda Carvalho Pegoraro 1, Gabriella de Matos Machado Castro 2, Cinthia Callegari Barbisan 3, Lucas Rios Torres 4

Resumo

Caso de hematossalpinge em uma paciente com endometriose e infertilidade, simulando permeabilidade tubária na histerossalpingografia (HSG), confirmada pelo Ultrassom (USG) e Ressonância Magnética (RM). A infertilidade afeta 15% dos casais em idade reprodutiva, sendo que 25-50% das mulheres inférteis tem endometriose. O primeiro exame de imagem solicitado é a HSG, melhor método para avaliar as tubas uterinas, e por isso a importância em reconhecer seus achados e possíveis armadilhas.

Dados do caso

Feminino, 44 anos.

Palavras chaves

Endometriosis, Tissue Adhesions, Fallopian Tube Patency Tests, Fallopian Tube Diseases.

Histórico Clínico

Paciente do sexo feminino, 44 anos, apresentando queixa de dor pélvica acíclica, dispareunia e constipação há anos. Procurou nosso serviço para investigação de infertilidade (tentativa de engravidar desde os 39 anos), sendo realizado HSG, RM da Pelve e USG Transvaginal. Os achados de imagem associados ao quadro clínico da paciente foram compatíveis com endometriose profunda. Comorbidades: fator V Leiden positivo.

Achados Radiológicos

Na HSG evidenciou-se ectasia tubária bilateral, notadamente no segmento ampular distal esquerdo. Neste segmento houve diluição progressiva do meio de contraste, sendo um importante achado, pois a acentuada ectasia tubária preenchida por contraste pode simular um extravasamento para o peritônio (pseudoperitonização). Nestes casos, a evidência da diluição do contraste, que permanece na imagem tardia (Cotte tardio), confirma tratar-se de tuba preenchida por conteúdo líquido (hidro ou hematossalpinge), excluindo assim a possibilidade de extravasamento peritoneal (Figura 1). Na USG transvaginal o ovário esquerdo encontrava-se medianizado, associado a dilatação tubária ipsilateral, com conteúdo discretamente hipoecogênico no seu interior, sugestivo de hematossalpinge (Figura 2A). Na RM foi identificado aumento dimensional do ovário esquerdo, o qual encontrava-se medianizado, associado a imagens alongadas e tubuliformes na região anexial esquerda, com alto sinal em T1, sugestiva de hematossalpinge. (Figura 2B). Para reforçar nossa tese, demonstramos outro caso do nosso arquivo digital semelhante ao apresentado, onde houve diluição progressiva do meio de contraste dentro da tuba. O diagnóstico de hematossalpinge também foi confirmado por outros métodos de imagem, como a RM (Figura 3).

Discussão

Há diversos fatores que influenciam na fertilidade feminina, sendo as alterações tuboperitoniais responsáveis por 30-40% dos casos, destacando-se a endometriose e doença inflamatória pélvica como principais causas. [1,2]. A HSG é o melhor método para estudo das tubas e cavidade uterina, sendo um dos primeiros exames de imagem solicitados na investigação da infertilidade feminina. Dessa forma, devemos estar familiarizados com os achados sugestivos de endometriose neste método. Dentre eles, destacam-se as alterações tubárias como a hematossalpinge e aderências peritubárias [3-5]. A hematossalpinge é caracterizada por uma dilatação tubária podendo ou não estar associada à sua oclusão. Já as aderências peritubárias são caracterizadas na HSG principalmente por uma tuba enovelada e verticalizada associada a loculação do contraste extravasado ao redor da porção ampular distal [6]. No entanto, essas duas entidades podem apresentar aspectos de imagem que se sobrepõem na HSG, e a hematossalpinge associada à oclusão tubária pode representar uma armadilha ao simular permeabilidade com loculação de contraste ao redor da tuba. Apesar dessa dúvida diagnóstica, não há na literatura estudos que auxiliem nessa diferenciação, sendo o objetivo do nosso caso a tentativa de elucidar tal questão. Na nossa prática clínica, identificamos um sinal que ajuda nesta diferenciação, que é a diluição progressiva do meio de contraste dentro do segmento tubário dilatado, o qual permanece sem modificações no Cotte tardio. Ao constatarmos a diluição do contraste, que se caracteriza por apresentar menor densidade em comparação à contrastação do restante da cavidade uterina, temos indício de tratar-se de hidrossalpinge, pois é necessário a presença de algum fluido (água ou sangue) em contato com o contraste para que seja possível a ocorrência de tal diluição. Por outro lado, se for constatado contraste acumulado ao redor da tuba apresentando densidade igual ou superior ao do restante da cavidade uterina, a suspeita passa a ser de aderências peritubárias. O nosso caso apresentou a diluição progressiva do meio de contraste acima descrito, nos levantando a suspeita de haver conteúdo intratubário, sendo confirmado por outros métodos de imagem tratar-se de hematossalpinge. Como diagnóstico diferencial e reforçando nossa hipótese, expusemos um caso do nosso arquivo digital de aderências peritubárias, em que notamos loculação do contraste extravasado ao redor da porção ampular distal, não apresentando diluição deste, achados que também foram confirmados por outros métodos de imagem (figuras 4,5)

Lista de Diferenciais

  • Permeabilidade tubária
  • Endometrioma
  • Hidrossalpinge ou piossalpinge secundária a doença inflamatória pélvica (DIP)

Diagnóstico

  • Hematossalpinge por endometriose profunda simulando permeabilidade tubária na HSG

Aprendizado

A endometriose tem importante associação com infertilidade. A HSG é um exame secular e contemporâneo, frequentemente solicitado e insubstituível na avaliação da face interna das tubas, lembrando sempre das suas armadilhas, como no caso apresentado, de uma importante hematossalpinge simulando permeabilidade tubária. Esperamos que com esse caso novos estudos sejam realizados com o objetivo de elucidar a diferenciação entre hematossalpinge e aderências, por serem grandes causas de infertilidade.

Referências

1.Waheed KB, Albassam MA, AlShamrani AG, et al. Hysterosalpingographic findings in primary and secondary infertility patients. Saudi Med J. 2019;40(10):1067-1071. doi:10.15537/smj.2019.10.24538
2.Steinkeler JA, Woodfield CA, Lazarus E, Hillstrom MM. Female infertility: a systematic approach to radiologic imaging and diagnosis. Radiographics. 2009;29(5):1353-1370. doi:10.1148/rg.295095047
3. Macer ML, Taylor HS. Endometriosis and infertility: a review of the pathogenesis and treatment of endometriosis-associated infertility. Obstet Gynecol Clin North Am. 2012;39(4):535-549. doi:10.1016/ m.ogc.2012.10.002
4. Bulletti C, Coccia ME, Battistoni S, Borini A. Endometriosis and infertility. J Assist Reprod Genet. 2010;27(8):441-447. doi:10.1007/s10815-010-9436-1
5. Simpson WL Jr, Beitia LG, Mester J. Hysterosalpingography: a reemerging study. Radiographics. 2006;26(2):419-431. doi:10.1148/rg.262055109
6. Karasick S, Goldfarb AF. Peritubal adhesions in infertile women: diagnosis with hysterosalpingography. AJR Am J Roentgenol. 1989;152(4):777-779. doi:10.2214/ajr.152.4.777

Imagens


Figura 1. HSG para investigação de infertilidade A) Ectasia tubária bilateral, sendo mais proeminente à esquerda, com dimensões normais até a porção proximal do segmento ístmico, ectasia e grande dilatação do segmento ampular, onde notamos diluição progressiva do meio de contraste (seta). B) Imagem identificada como Cotté, adquirida minutos após a retirada do cateter, com esvaziamento completo da cavidade uterina, demonstrando que não houve extravasamento para a cavidade peritoneal. Nota-se permanência da retenção e diluição do meio de contraste nos segmentos ampulares (seta), achado que pode simular perviedade tubária (pseudoperitonialização).


Figura 2. Hematossalpinge visibilizada na USG e confirmada pela RM A) USG via abdominal realizada para avaliação complementar após histerossalpingografia, evidenciando imagem tubuliforme com debris hipoecogênicos e pequeno coágulo no seu interior (cabeça de seta). B) RM no plano sagital em ponderação T1 com saturação de gordura, exibindo imagem tubuliforme na região anexial esquerda com conteúdo de alto sinal (seta).


Figura 3. Hematossalpinge identificada nos diferentes métodos de imagem A) Ectasia tubária do segmento ampular esquerdo na HSG, com sinais de diluição progressiva do meio de contraste. B) RM no plano axial em ponderação T1, com supressão de gordura, exibindo imagem alongada na região anexial esquerda, com alto sinal em T1, que sem os demais demais métodos poderia ser confundido com um endometrioma. C) USG via abdominal da região anexial esquerda exibindo imagem tubuliforme com conteúdo hipoecogênico no seu interior.


Figura 4. Exemplo de caso do nosso arquivo digital evidenciando hematossalpinge A) Ectasia tubária do segmento ampular direito na HSG, com sinais de diluição progressiva do meio de contraste (seta). B) Imagem adquirida após retirada do cateter, denominada Cotté, em que se observa maior retenção do meio de contraste no segmento ampular direito, sem sinais de extravasamento para a cavidade peritoneal. C) Sinais de hematossalpinge evidenciada na USG, exibindo imagem tubuliforme com conteúdo hipoecogênico no seu interior, confirmando o conteúdo visto pela HSG.


Figura 5. Exemplo de caso do nosso arquivo digital evidenciando aderências peritubárias. A) HSG demonstrando contraste acumulado ao redor da porção ampular distal das tubas, com densidade semelhante ao contraste da cavidade uterina (setas). B) Imagem identificada como Cotté, adquirida minutos após a retirada do cateter, com esvaziamento completo da cavidade uterina, demonstrando loculação do contraste extravasado ao redor da porção ampular distal das tubas, não apresentando diluição deste. C) Imagem de USG evidenciando o sinal do “kissing ovaries” (setas), o qual ocorre devido aderências pélvicas.

Artigo recebido em terça-feira, 25 de agosto de 2020

Artigo aprovado em domingo, 1 de novembro de 2020

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