• ISSN (On-line) 2965-1980

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Tórax

PULMÂO DO CRACK

Pedro Augusto Froldi Vieira 1, Andressa Grotta Moletta 2, Ariana Paula de Campos Jumes 3, Cesar Inoue 4

Resumo

A toxicidade pulmonar pelo uso de cocaína refere-se a uma síndrome aguda relacionada a dano alveolar difuso e alveolite hemorrágica, que geralmente ocorre dentro de 48 horas após o uso da substância. Clinicamente, os paciente costumar apresentar dor torácica, dispneia, febre, tosse produtiva (geralmente com resíduo carbonáceo) ou hemoptise, podendo evoluir para insuficiência respiratória. 

Dados do caso

Masculino, 30 anos.

Palavras chaves

Crack Cocaine, Multidetector Computed Tomography, Pulmonary Edema, Cocaine Smoking.

Histórico Clínico

Paciente masculino, adulto jovem, caucasiano e desempregado, com suspeita de infecção respiratória de etiologia viral. Apresentava quadro de tosse produtiva, febre, dispneia e dor pleurítica de início há uma semana, com piora progressiva. Evoluiu com dessaturação e esforço respiratório, atingindo saturação periférica de 87% em ar ambiente, optando-se por intubação orotraqueal. Submetido então à tomografia computadorizada (TC) de tórax. Na admissão o paciente negava outros pródromos gripais como cefaleia, odinofagia, congestão nasal, coriza ou mialgia. Negava também viagem recente e contato com casos suspeitos ou confirmados para Sars-CoV-2. Ao exame físico apresentava roncos pulmonares difusos, sem outras alterações. Após transferência para UTI e discussão com a radiologia, a assistente social conseguiu contato com familiares que informaram o uso de drogas ilícitas, dentre elas fumo de cocaína (crack). A vista dos achados de TC de tórax também foi solicitado ecocardiografia transtorácica que demonstrou aumento de câmaras cardíacas e fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 28%. Aos exames laboratoriais apresentava creatinofosfoquinase (CPK) 12 vezes acima do limite superior da normalidade, CKMB 8 vezes acima do limite superior da normalidade e troponina cardíaca 38 vezes acima do limite superior da normalidade, bem como resultados negativos para HIV 1 e 2, H1N1 e sorologias negativas para SARS-COV2. O eletrocardiograma apresentava bloqueio atrioventricular grau I. O conjunto de achados permitiu o diagnóstico final de pulmão do crack, associado a miocardite induzida por droga com edema pulmonar sobreposto.

Achados Radiológicos

Na radiografia de tórax (RX) em AP no leito evidenciamos opacidades intersticio-acinares esparsas, predominantemente perihilares, com focos de consolidação, além de cardiomegalia (Figura 1). TC de tórax sem contraste mostra opacidades com atenuação em vidro fosco esparsas nos pulmões, predominando nas regiões centrais / perihilares, por vezes associadas a espessamento de septos, configurando padrão de pavimentação em mosaico (Figuras 2 e 2a). Consolidações do espaço aéreo periféricas mais extensas em campos pulmonares inferiores (Figura 3). Focos de enfisema pulmonar parasseptal nos ápices e áreas com espessamento liso de septos interlobulares (Figura 4), associados a pequeno derrame pleural bilateral, inferindo algum grau de congestão pulmonar, além de aumento global de câmaras cardíacas (Figura 5).

Discussão

A cocaína é a segunda droga mais consumida no Brasil e no mundo, perdendo apenas para a maconha, utilizada especialmente por homens jovens, entre 25 e 35 anos de idade(1). Pode ser administrada via oral, inalada (intranasal ou fumar) e injetável, sendo que as complicações estão diretamente relacionadas à via de administração, volume da dose, frequência e presença de substâncias associadas (1, 2 e 3). As complicações referentes a inalação da fumaça dos derivados de cocaína podem ser divididas em (4,5): 1. Alterações agudas: - barotrauma: enfisema intersticial, pneumotórax e pneumomediastino; - lesão térmica de via aérea; - broncoespasmo: asma; - edema pulmonar: cardiogênico e não cardiogênico; - infecções: relacionadas ao HIV ou aspiração; - alterações eosinofílicas: “crack lung". 2. Alterações crônicas: - enfisema pulmonar; - pneumonia em organização com bronquiolite; - doenças intersticiais fibróticas e granulomatoses devido corpo estranho: talcose e silicose; - hipertensão pulmonar. Os produtos de combustão dos derivados de cocaína (crack ou base livre) afetam principalmente os pulmões e vias aéreas relacionadas, podendo causar, além de lesão térmica, a síndrome conhecida por “crack lung”, que consiste em dano alveolar difuso e alteração inflamatória com alveolite hemorrágica. Na radiografia se apresentam como opacidades interstício acinares difusas, melhor caracterizadas na TC como opacidades com atenuação em vidro fosco, peribroncovasculares e centrais, associadas a espessamento de septos interlobulares, por vezes com focos de consolidação pulmonar, de distribuição mais periférica (2,3). Os achados de imagem são inespecíficos, tendo como principais diferenciais patologias que cursam como padrões de hemorragia alveolar / dano alveolar difuso, pneumonite de hipersensibilidade, pneumonite eosinofílica e síndrome do desconforto respiratório agudo. Tendo em vista isto, é sempre necessário estrita correlação clínico-radiológica, em especial com histórico de exposição recente (1). Mais comumente as alterações de opacidades com atenuação em vidro fosco e de espessamento de septos interlobulares são centrais / peri-hilares, lembrando padrão de edema pulmonar e hemorragia de dano alveolar difuso. Por vezes se caracterizam consolidações periféricas, podendo representar pneumonite eosinofílica / pneumonite intersticial aguda (4,5).

Lista de Diferenciais

  • Edema cardiogênico não relacionado ao abuso de Crack
  • Pneumonia bacteriana
  • Pneumonia relacionada ao COVID-19
  • Pneumonia eosinofílica

Diagnóstico

  • Pulmão do Crack

Aprendizado

A cocaína é capaz de causar uma série de lesões pulmonares, sendo o pulmão do crack uma síndrome pulmonar frequentemente encontrada no pronto atendimento em pacientes usuários. A TC juntamente com dados clínicos, são fundamentais para estabelecimento preciso do diagnóstico. É frequente a associação com outras patologias, como sobreposição com edema pulmonar e miocardiopatia. Mesmo em tempos de pandemias não podemos nos esquecer de outros diagnósticos, conforme o caso ilustrado.

Referências

Almeida R R, Zanetti G, Souza A S, et al. Cocaine-induced pulmonary changes: HRCT findings. J Bras Pneumol. 2015; 323–330
Restrepo C S, Carrillo J A, Martínez S, Ojeda P, Rivera A L, Hatta A. Pulmonary Complications from Cocaine and Cocaine-based Substances: Imaging Manifestations. Radiographics 2007; 27: 941-957
Mançano A, Marchiori E, Zanetti G, Escuissato DL, Duarte BC, Apolinário LA. 2. Pulmonary complications of crack cocaine use: high-resolution computed tomography of the chest. J Bras Pneumol. 2008;34: 323-327
Dolapsakis C, Katsandri A. Crack lung: A case of acute pulmonary cocaine toxicity. Lung India. 2019;36:370‐371
Distefano G, Fanzone L, et al. HRCT Patterns of Drug-Induced Interstitial Lung Diseases: A Review. Diagnostics 2020; 10: 244

Imagens


Figura 1. RX de tórax em AP com opacidades intersticioacinares difusas, predominando nas regiões perihilares, bem como focos de consolidação em campo pulmonar médio direito. Obliteração do seio costofrênico lateral esquerdo. Cardiomegalia. Acesso venoso central à direita. Tubo traqueal. Eletrodos de monitorização.


Figura 2. TC de tórax em corte axial mostra opacidades com atenuação em vidro fosco de distribuição central associado a espessamento de septos caracterizado padrão de pavimentação em mosaico.


Figura 2a. TC de tórax em corte coronal oblíquo mostra os mesmos achados da Figura 2 reformatada em outro plano.


Figura 3. TC de tórax em corte axial mostra consolidações pulmonares na periferia dos lobos inferiores, com broncogramas aéreos de permeio.


Figura 4. TC de tórax corte axial mostra espessamento focos de enfisema pulmonar parasseptal nos ápices (seta laranja) e espessamento liso de septos interlobulares (seta verde).


Figura 5. TC de tórax em janela mediastinal mostra pequeno derrame pleural bilateral e cardiomegalia. É possível também caracterizar as consolidações do espaço aéreo nos lobos inferiores dos pulmões.

Artigo recebido em terça-feira, 18 de agosto de 2020

Artigo aprovado em quinta-feira, 15 de outubro de 2020

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