• ISSN (On-line) 2965-1980

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Neurorradiologia

ALTERAÇÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL EM UM CASO DE TOXOPLASMOSE CONGÊNITA

Amina Muhamad Mota Mustafa 1, André Tojal Pires 2, deivid Tavares Rodrigues 3, Anderson Macedo Pimenta Neves Silva 4

Resumo

A toxoplasmose congênita é uma doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii. A triagem pré-natal se baseia na detecção de anticorpos IgG e IgM maternos. Os resultados da doença não tratada incluem sobretudo sequelas oculares e neurológicas. Outros órgãos e sistemas podem ser acometidos. O caso relatado mostra uma infecção vertical de toxoplasmose adquirida no primeiro trimestre. O quadro clínico do recém-nascido inclui alterações no sistema nervoso central, oculares e endócrinas.

Dados do caso

Masculino, 0 anos.

Palavras chaves

Hidrocefalia, Sistema Nervoso Central, Malformações do Sistema Nervoso, Infecções do Sistema Nervoso Central.

Histórico Clínico

Recém-nascido com história de infecção congênita por toxoplasmose. A história materna de infecção aguda por toxoplasmose ocorreu durante o primeiro trimestre de gestação. Mãe com 44 anos, antecedente de 6 gestações, dois abortos e diabetes gestacional. Com idade gestacional de 7 semanas e 3 dias o exame sorológico para toxoplasmose foi susceptível (IgG negativo e IgM negativo). A sorologia foi repetida com 13 semanas e o IgM positivou (IgM+) e o IgG permanecia negativo (IgG-), ocorrendo então soroconversão para toxoplasmose. As outras sorologias maternas eram todas negativas. Realizou-se então ultrassonografia gestacional com 24 semanas e 3 dias com evidência de sinais de infecção fetal por toxoplasmose representada pela hidrocefalia fetal (imagens indisponíveis). A amniocentese não foi realizada. O tratamento medicamentoso foi iniciado no segundo trimestre com esquema tríplice (sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico), que foi trocado para espiramicina com 36 semanas. O tratamento medicamentoso ocorreu de forma irregular. Ao nascimento, com 8 dias de vida, foi realizada Ressonância Magnética de encéfalo que evidenciava acentuada hidrocefalia obstrutiva não comunicante por obliteração do aqueduto cerebral (hidrocefalia máxima), perda volumétrica quase completa do parênquima cerebral, persistindo maior quantidade de tecido cerebral nos tálamos e ao seu redor e hemisférios cerebelares atróficos. Além de anomalias no sistema nervoso central o recém-nascido apresentou também alterações oculares, representada pela cicatriz de coriorretinite macular bilateral e disgenesia gonadal (micropênis e criptorquidia bilateral).

Achados Radiológicos

Ressonância Magnética de encéfalo evidencia acentuada dilatação ventricular ocupando quase completamente a região supratentorial (figuras 1,2,3,4). Observa-se fina camada de parênquima dos lobos cerebrais deslocada perifericamente contra a calota craniana, um pouco mais espessos nos lobos frontais, basais e mediais (figura 1). Terceiro ventrículo cístico, com assoalho rebaixado e paredes abauladas, aqueduto cerebral colapsado e quarto ventrículo normal. Fossa posterior relativamente reduzida, com achatamento e perda volumétrica dos hemisférios cerebelares (figura 2).Tronco encefálico relativamente preservado. Massa amorfa de parênquima gliótico ao redor dos tálamos, com extensão aos resquícios das regiões mediais dos lobos temporais (figura 4).

Discussão

A toxoplasmose congênita é uma doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii. A infecção materna geralmente é assintomática, sendo raros os casos sintomáticos. Apesar da pouca sintomatologia materna, quando a gestante adquire a primo-infecção durante a gravidez, a transmissão vertical pode ocorrer, manifestando-se de diferentes formas e com graus variados de gravidade, podendo até levar a morte fetal. A severidade do acometimento vai depender de múltiplos fatores como virulência da cepa do parasita, capacidade da resposta imunológica materna e do período gestacional durante a infecção [1, 2]. A toxoplasmose congênita resulta em um impacto socioeconômico importante, sobretudo, devido às sequelas oculares e neurológicas. Há dados da literatura que demonstram que o tratamento e a prevenção de infecções ativas por Toxoplasma gondii são viáveis, seguros e trazem benefícios. A triagem pré-natal se baseia na detecção de anticorpos IgG e IgM maternos e no Brasil, a triagem é sugerida como política pública não obrigatória. A triagem sorológica materna para detecção da toxoplasmose permite a adoção de medidas profiláticas e terapêuticas precoces, potencialmente reduzindo as sequelas da doença [3,4]. Melhores resultados no tratamento medicamentoso ocorrem quando o diagnóstico é precoce e o tratamento é prontamente instituído [3]. O diagnóstico no momento do parto nem sempre ocorre, sendo que a maioria das manifestações clínicas da toxoplasmose congênita são tardias, ocorrendo meses após o parto. Os resultados da toxoplasmose congênita podem incluir sequelas oculares e neurológicas, manifestando-se por exemplo como coriorretinite, convulsões, disfunções motoras ou cerebelares. No entanto outros órgãos podem ser acometidos, manifestando-se como perda auditiva, alterações renais, hematológicas, hepatoesplenomegalia, várias endocrinopatias [2,5]. O caso relatado aborda uma infecção vertical de toxoplasmose, em que a mãe adquiriu a doença no primeiro trimestre. Apesar do tratamento ter sido instituído, ele ocorreu de forma irregular. O quadro clínico do recém-nascido inclui alterações no sistema nervoso, oculares e endócrinas. As alterações no sistema nervoso foram evidenciadas pela Ressonância Magnética (figuras 1-4) que demonstra volumosa hidrocefalia obstrutiva não comunicante, perda volumétrica quase completa do parênquima cerebral e perda volumétrica dos hemisférios cerebelares. As manifestações oculares são representadas pela cicatriz de corioretinite macular macular bilateral e as alterações endócrinas pela disgenesia gonadal (micropênis e criptorquidia).

Lista de Diferenciais

  • infecções congênitas (grupo das TORCHS)

Diagnóstico

  • toxoplasmose congênita

Aprendizado

A toxoplasmose é uma infecção comum no Brasil e sua forma congênita pode ter implicações severas. O rastreio da infecção através de sorologia e a avaliação adequada através da ultrassonografia obstétrica são determinantes para o prognóstico. A Ressonância Magnética é uma ferramenta de grande acurácia para avaliação de anormalidades congênitas. A história clínica, achados laboratoriais e correlação com a imagenologia são fundamentos na propedêutica diagnóstica.

Referências

1-Melamed J, Dornelles F, Eckert GU. Alterações tomográficas cerebrais em crianças com lesões oculares por toxoplasmose congênita. Jornal de Pediatria.2001; 77(6): 475-480
2- Mitsuka-breganó R, Lopes-mori FMR, Navarro IT. Toxoplasmose adquirida na gestação e congênita: vigilância em saúde, diagnóstico, tratamento e condutas . EDUEL. 2010;1-5.
3- McLeod R, Kieffer F, Sautter M, et al. Why prevent, diagnose and treat congenital toxoplasmosis. Mem. Inst. Oswaldo Cruz . 2009; 104( 2 ): 320-344.
4- Lopes-Mori FM, Mitsuka-Breganó R, Capobiango JD et al . Programas de controle da toxoplasmose congênita. Rev. Assoc. Med. Bras. ]. 2011; 57( 5 ): 594-599.
5- Hampton MM. Congenital Toxoplasmosis: A Review. Neonatal Netw. 2015;34(5):274-278.

Imagens


Figura 1: RM axial ponderada em T2 evidenciando acentuada dilatação ventricular (setas maiores). Observa-se fina camada de parênquima dos lobos cerebrais deslocada perifericamente contra a calota craniana, um pouco mais espessos nos lobos frontais (seta menor).


Figura 2: RM sagital ponderada em T2 com acentuada dilatação ventricular ocupando quase completamente a região supratentorial. Terceiro ventrículo cístico (setas), com assoalho rebaixado e paredes abauladas. Fossa posterior relativamente reduzida, com achatamento e perda volumétrica dos hemisférios cerebelares.Tronco encefálico relativamente preservado.Aqueduto cerebral colapsado. Quarto ventrículo normal.


Figura 3: RM coronal ponderada em T1 com acentuada dilatação ventricular (setas) ocupando quase completamente a região supratentorial.


Figura 4: Massa amorfa de parênquima gliótico ao redor dos tálamos (setas), com extensão aos resquícios das regiões mediais dos lobos temporais.

Artigo recebido em segunda-feira, 13 de julho de 2020

Artigo aprovado em domingo, 6 de setembro de 2020

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