João Vitor Machado1; Andrea Farias de Melo2; Giovana Oliveira3; Livia Ribeiro Gondim4
DOI: 10.5935/2965-1980.2024v3e20240045
HISTÓRICO CLÍNICO
Masculino, 71 anos, com desconforto em hipocôndrio direito e aumento de antígeno carcinoembrionário. Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM) evidenciaram massa expansiva na goteira parietocólica direita e sinais de invasão da parede torácica lateral e parênquima hepático. O diagnóstico histopatológico foi adenocarcinoma mucinoso com confirmação macroscópica de invasão toracoabdominal e hepática.
ACHADOS RADIOLÓGICOS:
A suspeita de invasão hepática foi pela TC trifásica (Figura 1 e Figura 2 A-D), a qual destacou lesão hipodensa e hiporrealçante com leve realce nas fases de equilíbrio e tardia. A lesão no ângulo hepático do cólon, estende-se à parede toracoabdominal direita e superiormente ao parênquima hepático, em seu limite superior. Na RM (Figura 3-C), foi visto uma formação heterogênea colônica, hiperintensa nas ponderações em T2 (inferindo mucina) com extensão ao segmento VI do fígado e parede toracoabdominal direita, sobretudo espaço intercostal circunjacente. No mapa do coeficiente de difusão aparente (ADC) (Figura 4) houve a confirmação da restrição à difusão com hipossinal, achado relacionado a presença de mucina. Peça cirúrgica volumosa contendo cólon, anexos, musculatura e tecido hepático, irregular com áreas de necrose e ulceração (Figura 3A-C). A histopatologia da lesão corada com hematoxilina-eosina destacou presença de adenocarcinoma surgindo de adenoma túbulo-viloso com displasia de alto grau (Figura 5).
DISCUSSÃO:
O câncer colorretal é um dos cânceres mais incidentes na atualidade [1]. No Brasil, é o quarto mais incidente, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) [2, 3]. O quadro clínico pode ser desafiador, no início, por se apresentar de forma assintomático ou com sintomas inespecíficos como alteração de hábito intestinal, desconforto abdominal, perda de peso e anemia por deficiência de ferro [4, 5]. Nos casos mais avançados, sangue nas fezes e sintomas de obstrução intestinal podem ser flagrados. Alguns diagnósticos diferenciais são diverticulite, doença de Crohn e síndrome do intestino irritável. Desse modo, a produção de relatos de caso como esse são importantes para registro das formas de apresentação dos pacientes, da sequência de exames solicitados até o diagnóstico e conduta terapêutica. O processo diagnóstico desse paciente teve início com a apresentação clínica e dosagem de marcador tumoral (CEA). Foi realizada, TC do abdome total, cujas informações obtidas foram complementadas pela RM, pela excelente resolução tecidual. Após o estadiamento locorregional da lesão, foi programada a cirurgia para a ressecção da lesão e circunjacências, a qual foi enviada para análise histopatológica. Apesar de o diagnóstico ter sido confirmado mediante análise histopatológica, é importante comentar que os exames de imagem realizados, tanto a TC quanto a RM do abdome, permitiram sugerir o diagnóstico de adenocarcinoma mucinoso e, principalmente, realizar de forma precisa, o estadiamento locorregional da lesão para evitar surpresas indesejadas no momento intraoperatório. A TC é o exame preferível no estadiamento locorregional inicial do câncer de cólon, com sensibilidade 83,1% e especificidade 54,6% para a detecção de extensão extramural [6, 7]. Já a RM é a modalidade de escolha no câncer de reto, possuindo sensibilidade 89,2% e especificidade 81,8% para detecção de extensão extramural [6, 7, 8]. O adenocarcinoma mucinoso é um subtipo clinicopatológico volumoso, mais comum no cólon proximal, com estágio T mais alto, maior proporção de linfonodos positivos, pior diferenciação tumoral e mais implantes peritoneais, o que justifica seu pior prognóstico quando comparado à variante não mucinosa [9, 10]. Epidemiologicamente, o subtipo mucinoso varia de 3,9% na Ásia a 1013,5% na Europa e América do Norte. A RM permite diferenciar mucinoso de não mucinoso com precisão de 96%-97%, sensibilidade de 94%-100% e especificidade de 95%-98%. A sobrevida em 5 anos no câncer de cólon estágio III, é 67,9% no subtipo mucinoso, e 72,7% no não mucinoso. A infiltração toracoabdominal (10-20%), aumenta o desafio cirúrgico, exigindo uma ressecção em bloco, o que piora o prognóstico [10].
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS:
O principal diagnóstico diferencial por imagem do câncer colorretal é a diverticulite. Além desse, doenças inflamatórias intestinais como a doença de Crohn, retocolite ulcerativa podem apresentar um quadro clínico similar. Em relação ao diagnóstico diferencial por imagem, no nosso caso, inicialmente, foi pensado na possibilidade de abscesso, porém considerando o realce sutil e tardio intralesional, essa possibilidade foi logo descartada.
O QUE APRENDI COM ESTE CASO:
Durante a faculdade de medicina, o estudo da radiologia em paralelo às outras áreas, ocorre frequentemente pela abordagem das patologias mais frequentes, e como elas comumente aparecem nos exames de imagem, passando relativamente rápido por formas atípicas de apresentação, e ainda mais breve pela correlação, como nesse caso, da radiologia, coloproctologia e patologia. Foi de grande valor poder perceber, na prática, uma sequência lógica de avaliação clínica, exames complementares, abordagem radiológica, cirúrgica e por fim, patológica. Além disso, ter em mente que esse trabalho em conjunto, mesmo com o paciente oligossintomático, possibilitou a abordagem cirúrgica precisa e acurada, melhorando a qualidade de vida do paciente.
REFERÊNCIAS
1. SUNG, Hyuna et al. Estatísticas globais de câncer 2020: estimativas do GLOBOCAN de incidência e mortalidade em todo o mundo para 36 tipos de câncer em 185 países. CA: um periódico sobre câncer para clínicos , v. 71, n. 3, p. 209-249, 2021.
2. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Região Nordeste - estimativa dos casos novos. 8 set. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/ptbr/assuntos/cancer/numeros/estimativa/regiao/nordeste. Acesso em: 1 jul. 2024
3. Li H, Chen L, Zeng H, Liao Q, Ji J, Ma X. Integrative Analysis of Histopathological Images and Genomic Data in Colon Adenocarcinoma. Front Oncol. 2021 Sep 27;11:636451. doi: 10.3389/fonc.2021.636451. PMID: 34646756; PMCID: PMC8504715.
4. Flores-Altamirano M, Montiel-Jarquín ÁJ, López-Colombo A, López-Bernal CA, García-Galicia A, Garza-Sánchez J. Características clínicas e histopatológicas de los tumores malignos de colon por localización [Clinical and histopathological characteristics of malignant colon tumors by location]. Rev Med Inst Mex Seguro Soc. 2023 Sep 4;61(5):610-616. Spanish. doi: 10.5281/zenodo.8316446. PMID: 37769029; PMCID: PMC10599786.
5. LABIANCA, Roberto et al. Colon cancer. Critical reviews in oncology/hematology, v. 74, n. 2, p. 106133, 2010.
6. Chang, KJ, Kim, DH, Lalani, TK et al. Estadiamento radiológico T do câncer de cólon: interesse renovado para a prática clínica. https://doi.org/10.1007/s00261-023-03904-2 Abdom Radiol 48 , 2874–2887 (2023).
7. LIU, Li-Heng et al. Performance comparison between MRI and CT for local staging of sigmoid and descending colon cancer. European Journal of Radiology, v. 121, p. 108741, 2019
8. Maria Clara Fernandes, Marc J. Gollub, Gina Brown, The importance of MRI for rectal cancer evaluation, Surgical Oncology, Volume 43, 2022, 101739, ISSN 0960-7404, https://doi.org/10.1016/j.suronc.2022.101739. (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960740422000329)
9. Huang A, Yang Y, Shi JY, Li YK, Xu JX, Cheng Y, Gu J. Mucinous adenocarcinoma: A unique clinicopathological subtype in colorectal cancer. World J Gastrointest Surg. 2021 Dec 27;13(12):15671583. doi: 10.4240/wjgs.v13.i12.1567. PMID: 35070064; PMCID: PMC8727185.
10. Yu, Feng et al. “Prognostic implications of mucinous histology in stage III colon cancer with the receipt of adjuvant chemotherapy.” Journal of gastrointestinal oncology vol.11,5 (2020): 858-869. doi:10.21037/jgo-20-160.
IMAGENS
Figura 4: Mapa do coeficiente de difusão aparente (ADC). Na seta menor (ADC = 0,8 x 10^-3), é demonstrado a restrição à difusão com hipossinal no mapa de ADC. Na seta maior (ADC = 2,0 x 10^-3), observa-se hipercelularidade não confirmada pelo mapa de ADC, já que mucina é acelular, e não apresenta restrição.
Artículo recibido en martes, 19 de noviembre de 2024
Artículo aceptado el jueves, 6 de febrero de 2025