• ISSN (On-line) 2965-1980

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Genital (Feminino)

Diagnosticando produtos retidos da concepção e reconhecendo “PITFALLS”. BHCG aumentado, e agora?

João Paulo Dalazen de Souza1; Ana Maria Melo de Castro Miranda2; Luis Ronan Marquez Ferreira de Souza1; Yan Schaefer Tavares2

DOI: 10.5935/2965-1980.2024v3e20240019

Resumo

Produtos retidos da concepção (PRC) são uma complicação comum e tratável após o parto ou interrupção da gravidez, mas quando associado a um BHCG positivo em uma mulher na 6ª semana pós-aborto espontâneo, pode ser desafiador para os médicos especialistas em radiologia e diagnóstico por imagem.

HISTÓRICO CLÍNICO

Feminina, 40 anos, G3P1A2, na 6ª semana pós-aborto espontâneo, vem para realização de ultrassonografia transvaginal (USTV) por sangramento uterino irregular e gonadotrofina coriônica β-humana (BHCG) levemente aumentada. Na história mórbida pregressa ginecológica relatava miomatose uterina e curetagem no primeiro aborto espontâneo.

 

ACHADOS RADIOLÓGICOS

A USTV (Figura 1) demonstrava massa endometrial predominantemente hiperecogênica vascularizada, indefinição da interface endométrio-miométrio posterior, vascularização acentuada no miométrio adjacente, além de leiomiomas miometriais. Nova USTV apresentava os mesmos achados, demonstrando o padrão de onda ao estudo Doppler espectral de alta velocidade e baixa resistência (Figura 2). À ressonância magnética (RM) observava-se massa aparentemente centrada no endométrio (Figura 3A) vascularizada (Figura 3B), com acentuação de vasos miometriais e sinais de perda da interface endométrio-miométrio posterior (Figura 4). A massa endometrial não demonstrava restrição à difusão, mas observava-se algum grau leve de restrição na interface miométrioendométrio (Figura 5). Não havia evidência de malformação arteriovenosa uterina no estudo perfusional na RM. Na 9ª semana pósaborto o BHCG caiu a níveis abaixo dos limites positivos. Realizou nova USTV (Figura 6A) demonstrando agora massa predominantemente hipoecogênica e sem vascularização ao estudo Doppler. Na semana seguinte a paciente expeliu um fragmento ovoide (Figura 6B), rugoso, de coloração castanhovinhosa, com consistência elástica, de aproximadamente 5 x 3 cm. Na microscopia demonstrava áreas degeneradas semelhantes a vilosidades coriais com alterações regressivas, sugestivo de produtos de concepção.

 


Figura 1A - Ultrassonografia transvaginal sagital ao modo B demonstrando uma massa predominantemente hiperecogênica na cavidade uterina. B - Ultrassonografia transvaginal sagital com Doppler colorido demonstrando uma massa na cavidade uterina com acentuada vascularização no miométrio e endométrio.

 

 


Figura 2 - Ultrassonografia transvaginal sagital com Doppler colorido espectral demonstrando uma massa na cavidade uterina com ondas de padrão de alta velocidade e baixa resistência.

 

 


Figura 3 - A - RM sequência T2 sagital da pelve demonstrando uma massa centrada no endométrio. B - RM sequência T1 sagital da pelve pós-contraste demonstrando realce da massa endometrial.

 

 


Figura 4: RM sequência coronal T1 pós-contraste demonstrando proeminência de vasos na parede corporal posterior do útero.

 

 


Figura 5: Sequência DWI B1000 e ADC, demonstrando ausência de restrição à difusão na massa endometrial, com algum grau leve de restrição à difusão na interface miométrio-endométrio.

 

 


Figura 6 - A - Ultrassonografia transvaginal sagital ao modo B demonstrando uma massa heterogênea e predominantemente hipoecogênica na cavidade uterina, sem vascularização ao estudo Doppler. B – Fragmento expelido via vaginal.

 

DISCUSSÃO

Apresentamos um caso inusitado de uma paciente que manteve níveis séricos de β-hCG levemente aumentados por pelo menos 2 meses após aborto espontâneo e destacamos a importância de uma expertise e cautela por parte dos médicos especialistas em radiologia e diagnóstico por imagem na condução destes casos. Apesar dos achados da primeira USTV e da RM, o caso foi conduzido de forma expectante, e não foi realizada avaliação histológica do material endometrial. A suspeita ultrassonográfica de malformação arteriovenosa uterina (MAVU) levantada como hipótese diagnóstica principal de forma errônea na segunda USTV pode ter sido a causa dessa tomada de decisão, visto o risco potencial de hemorragia com risco de vida, seja espontânea ou resultante de dilatação e curetagem [1-3]. O nível de BHCG pós-aborto pode estar leve a moderadamente elevado, mas geralmente diminui para níveis indetectáveis em 2–3 semanas, o que não aconteceu com a nossa paciente, tornando doença trofoblástica gestacional (DTG) e produtos retidos da concepção (PRC) as hipóteses diagnósticas principais. A DTG abrange um espectro de tumores com ampla gama de comportamento biológico e potencial para metástases à distância [4]. Na USTV e RM a diferenciação precisa entre neoplasia trofoblástica gestacional (NTG) e processos benignos, como PRC, nem sempre é fácil. Alguns tipos de NTG podem se apresentar com níveis mais baixos de BHCG. A NTG apresenta acentuada vascularização, muitas vezes mimetizando MAVU ao US. As características do Doppler colorido e espectral de uma MAVU são geralmente simples, consistindo em um emaranhado de vasos no miométrio com fluxo multidirecional de alta velocidade que produz um padrão de mosaico colorido caótico. A análise Doppler espectral mostra os aspectos característicos do shunt arteriovenoso com fluxo sanguíneo de alta velocidade e baixa resistência. O achado mais sensível de uma suspeita de PRC na USTV é o espessamento endometrial. Se for detectado qualquer vascularização em um espessamento ou massa endometrial, a probabilidade de PRC aumenta substancialmente para um VPP de 96%. A vascularização deve sempre ser vista estendendo-se do miométrio até o endométrio, e quando uma vascularização for acentuada não deve ser erroneamente atribuída a MAVU, entretanto, deve ser comunicada ao obstetra. A USTV geralmente é suficiente em casos rotineiros ou típicos de PRC, mas os radiologistas também devem estar cientes da aparência característica do PRC nas imagens de RM. Um diagnóstico confiável de PRC pode ser feito com qualquer uma dessas modalidades se uma massa realçada de tecido mole estiver presente dentro da cavidade endometrial [5,6]. Como os achados do PRC nas imagens de RM, em particular, se sobrepõem inteiramente aos da doença trofoblástica gestacional [7], o contexto clínico é essencial. Especificamente, o nível sérico de BHCG é geralmente normal ou indetectável em pacientes com PRC e elevado naqueles com doença trofoblástica gestacional. O principal “pitfall” no diagnóstico de PRC é confundir a sua vascularização acentuada com uma MAVU [8,9]. Tanto a MAVU quanto o PRC são achados pós-parto persistentes; no entanto, o PRC pode ser distinguido da MAVU com base no componente endometrial vascular observado no PRC, enquanto a MAVU envolve principalmente apenas o miométrio [10]. Com uma história clínica e laboratorial apropriada, a presença de um espessamento ou massa endometrial, com vascularização detectável na USTV com Doppler colorido e espectral permite um diagnóstico confiável de PRC.

 

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

• Malformação arteriovenosa uterina;

• Doença trofoblástica gestacional.

 

DIAGNÓSTICO

Produtos retidos da concepção;

 

O QUE APRENDI COM O CASO

O médico radiologista tem um papel crucial dentro da equipe de assistência ao paciente. Muitas vezes os achados de uma doença se sobrepõem, sejam eles clínicos, laboratoriais ou imaginológicos. Eventualmente um caso aparentemente simples pode ser desafiador para a equipe médica, e a expertise dos médicos especialistas em radiologia e diagnóstico por imagem, sobretudo aqueles com atuação em radiologia abdominal, tem grande importância na condução destes casos.

 

REFERÊNCIAS

1 - Syla BH, Fetiu SS, Tafarshiku SS. Transabdominal two- and three-dimensional color Doppler imaging of a uterine arteriovenous malformation. Ultrasound Obstet Gynecol 2011;37(3):376– 378.

2 - Kitahara T, Sato Y, Kakui K, Tatsumi K, Fujiwara H, Konishi I. Management of retained products of conception with marked vascularity. J Obstet Gynaecol Res 2011;37(5):458–464.

3 - Sellmyer MA, Desser TS, Maturen KE, et al. Physiologic, histologic, and imaging features of retained products of conception.Radiographics 2013. 33.3: 781 - 796.

4 - Shaaban AM, Rezvani M, Haroun RR, et al. Gestational trophoblastic disease: clinical and imaging features. Radiographics 2017; 37.2: 681-700. 5 - Menias CO, Elsayes KM, Peterson CM, Huete A, Gratz BI, Bhalla S. CT of pregnancy-related complications. Emerg Radiol 2007;13(6):299–306.

6 - Noonan JB, Coakley FV, Qayyum A, Yeh BM, Wu L, Chen LM. MR imaging of retained products of conception. AJR Am J Roentgenol 2003;181(2):435–439.

7 - Elsayes KM, Trout AT, Friedkin AM, et al.. Imaging of the placenta: a multimodality pictorial review. RadioGraphics 2009;29(5):1371–1391.

8 - Fleming H, Ostör AG, Pickel H, Fortune DW. Arteriovenous malformations of the uterus. Obstet Gynecol 1989;73(2):209–214.

9 - Müngen E. Vascular abnormalities of the uterus: have we recently over-diagnosed them? Ultrasound Obstet Gynecol 2003;21(6):529–531.

10 - Timmerman D, Wauters J, Van Calenbergh S, et al.. Color Doppler imaging is a valuable tool for the diagnosis and management of uterine vascular malformations. Ultrasound Obstet Gynecol 2003;21(6):570–577.

Artigo recebido em domingo, 14 de julho de 2024

Artigo aprovado em domingo, 14 de julho de 2024

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