Lucas Kenzo Miyahara 1, Lucas Teixeira Diniz 2, Guilherme Castilho Sorensen de Lima 3
Resumo
O volvo gástrico é uma condição clínica rara, caracterizada por uma rotação anormal do estômago sobre um de seus eixos, estando associada a graus variáveis de obstrução intestinal. A forma de apresentação aguda é potencialmente fatal, podendo evoluir com necrose gástrica em até 30% dos casos. O diagnóstico com base apenas nos dados clínicos é desafiador, o que faz com que os métodos de imagem tenham papel fundamental no diagnóstico desta condição.Dados do caso
Feminino, 77 anos.
Palavras chaves
Volvo Gástrico, Hérnia Hiatal.
Histórico Clínico
Paciente do sexo feminino, 77 anos de idade, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial sistêmica e trombose venosa profunda nos membros inferiores, encontrando-se em uso de anticoagulante oral. Comparece ao pronto socorro com queixa de vômitos enegrecidos e dor epigástrica há 1 dia associados à hipotensão postural. Ao exame físico encontrava-se descorada e com abdome doloroso à palpação do epigástrio. Os exames laboratoriais admissionais evidenciaram hemoglobina de 4,9 g/dL. Submetida à endoscopia digestiva alta que evidenciou alteração do eixo gástrico, com impossibilidade de progressão do aparelho, sem lesões mucosas evidentes. Durante o procedimento foi tentada passagem de sonda nasoenteral, porém sem sucesso. Solicitada tomografia computadorizada do tórax, abdome e pelve onde foi caracterizada volumosa hérnia hiatal associada a volvo gástrico. Optado por tratamento cirúrgico videolaparoscópico, sendo proposta hiatoplastia e fundoplicatura, onde foi confirmado o diagnóstico.
Achados Radiológicos
Realizada tomografia computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve com contraste endovenoso, evidenciando volumosa hérnia hiatal contendo a totalidade do estômago, que se apresenta horizontalizado (Fig 1). Destaca-se inversão das curvaturas gástricas com a grande curvatura acima da pequena (Fig 2).
Discussão
O volvo gástrico é uma entidade rara, definida como uma rotação do estômago sobre um de seus eixos (longo ou curto), sendo sua forma aguda potencialmente letal. As causas etiológicas dividem-se em primárias e secundárias, sendo as últimas mais frequentes e caracterizadas pela associação do volvo gástrico com anormalidades estruturais diafragmáticas, destacando-se a frequente associação com as hérnias paraesofágicas. Os volvos gástricos podem ser classificados como organoaxial ou mesenteroaxial em relação ao eixo do estômago. O tipo organoaxial envolve o eixo longo do estômago (linha que conecta a junção esôfagogástrica ao piloro), sendo o mais comumente associado às hérnias paraesofágicas, e caracterizando-se pela posição horizontalizada do estômago, com a curvatura maior situando-se em posição superior à curvatura menor. Apresenta-se na maioria dos casos de forma aguda, sendo que 70% dos pacientes manifestam-se com a tríade de Borchardt, que consiste na presença de dor epigástrica, vômitos incoercíveis e falha na passagem de sonda digestiva [1]. Rotações acima de 180 graus manifestam-se com obstrução pilórica completa, e necrose gástrica ocorre em até 30% dos casos de rotações organoaxiais, o que faz com que o rápido diagnóstico desta condição seja imperativo ao radiologista. As rotações mesenteroaxiais, por sua vez, são definidas pela rotação envolvendo o eixo curto do estômago (linha transversal que conecta as curvaturas maior e menor), em que o antro gástrico passa a situar-se acima da junção esôfagogástrica. As rotações mesenteroaxiais são usualmente parciais (<180 graus), não estão frequentemente associadas a defeitos diafragmáticos e manifestam-se com sintomas crônicos. Os principais métodos de imagem utilizados no diagnóstico do volvo gástrico agudo são a radiografia simples e a tomografia computadorizada. Nos quadros agudos, a radiografia simples evidencia volumosa bolha gástrica associada à nível hidroaéreo, frequentemente em posição torácica, em caso de associação com hérnias hiatais. A tomografia computadorizada é o método diagnóstico de escolha [2], por apresentar alta sensibilidade e propiciar melhor definição anatômica, além de evidenciar sinais de estrangulamento. A forma organoaxial é caracterizada ao estudo tomográfico pelo estômago horizontalizado com a grande curvatura acima da pequena, já na forma mesenteroaxial o estômago assume posição verticalizada com a junção antropilórica acima da junção gastroesofágica, existindo, ainda a forma mista, na qual as características se sobrepõem.
Lista de Diferenciais
Diagnóstico
Aprendizado
O volvo gástrico é uma condição rara e seu aspecto de imagem pode se sobrepor ao das volumosas hérnias hiatais, sendo por vezes um desafio diagnóstico. Assim, é essencial ao radiologista reconhecer seu aspecto de imagem, bem como sinais de complicações isquêmicas.
Referências
Chau B, Dufel S. Gastric volvulus. Emerg Med J. 2007 Jun;24(6):446-7. doi: 10.1136/emj.2006.041947. PMID: 17513555; PMCID: PMC2658296.
Light D, Links D, Griffin M. The threatened stomach: management of the acute gastric volvulus. Surg Endosc. 2016 May;30(5):1847-52. doi: 10.1007/s00464-015-4425-1. Epub 2015 Aug 15. PMID: 26275540.
Mazaheri P, Ballard DH, Neal KA, Raptis DA, Shetty AS, Raptis CA, Mellnick VM. CT of Gastric Volvulus: Interobserver Reliability, Radiologists' Accuracy, and Imaging Findings. AJR Am J Roentgenol. 2019 Jan;212(1):103-108. doi: 10.2214/AJR.18.20033. Epub 2018 Nov 7. PMID: 30403524; PMCID: PMC6454878.
Imagens
Figura 1. TC de abdome e pelve com contraste na fase portal e no plano axial evidenciando volumosa hérnia hiatal contendo a totalidade do estômago, que se apresenta horizontalizado.
Figura 2. TC de abdome e pelve com contraste na fase portal e no plano coronal oblíquo demonstrando inversão das curvaturas gástricas com a grande curvatura acima da pequena.
Figura 3. Desenho esquemático ilustrando os eixos de rotação dos volvos organo e mesenteroaxiais
Artigo recebido em segunda-feira, 12 de abril de 2021
Artigo aprovado em domingo, 8 de agosto de 2021