• ISSN (On-line) 2965-1980

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Gastrointestinal

HEMATOMA JEJUNAL INTRAMURAL ESPONTÂNEO

Jorge Elias Júnior 1, Valdair Francisco Muglia 2, Vitor Rodrigues Fornazari 3, Vitor Vita Ricci 4

Resumo

Hematoma intramural de intestino delgado foi por muito tempo reconhecido como uma complicação de trauma abdominal fechado, particularmente em crianças, acometendo geralmente um pequeno segmento de duodeno. Entretanto, algumas condições predispõem à ocorrência de hematomas intramurais intestinais espontâneos, como as terapias anticoagulantes, discrasias sanguíneas, malignidades e vasculites, nestes casos acometendo segmentos intestinais mais longos, preferencialmente do jejuno.

Dados do caso

Masculino 40 anos

Palavras chaves

Doenças do Jejuno, Doenças Hematológicas, Hemorragia Gastrointestinal

Histórico Clínico

Paciente de 40 anos, sexo masculino, branco, em tratamento quimioterápico por diagnóstico recente de leucemia mieloide aguda, com queixa de dor intensa em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda, náuseas, vômitos e um pico febril de 38°C há 2 dias, referindo última evacuação de aspecto habitual há 1 dia, porém com redução da eliminação de flatos. Ao exame físico, apresentava-se descorado (2+/4+), desidratado, taquicárdico (FC = 110 bpm), com abdome discretamente distendido, ruídos hidroaéreos reduzidos, doloroso à palpação, com defesa em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda. Exames laboratoriais: Hb 6,7 g/dl (VN: 13,9 – 17,7); Ht 20% (VN: 39,6 – 51,8); GB 100/µl (VN: 3790 - 10330); Plq 22000/µl (VN: 166000 - 389000); INR 1,3 (VN: < 1,3); TTPA 1,64 (VN: < 1,26).

Achados Radiológicos

Realizada tomografia computadorizada (TC) de abdome sem contraste no dia da admissão, evidenciando-se espessamento parietal circunferencial regular em segmento de alça intestinal jejunal no mesogástrico/fossa ilíaca esquerda, com conteúdo intramural espontaneamente hiperdenso (atenuação média = 65 UH), determinando acentuado estreitamento luminal e achados associados de suboclusão intestinal, com conteúdo líquido formando níveis hidroaéreos em alças jejunais proximais, duodeno e estômago, sendo observados gases e fezes em alças cólicas. Observou-se, ainda, discreta densificação dos planos adiposos mesentéricos adjacentes ao segmento jejunal descrito, com mínima quantidade de líquido extraluminal associada, indicando processo inflamatório reacional (figuras 1, 2 e 3). Outro exame tomográfico foi realizado 3 dias após a admissão por novo quadro de dor abdominal durante a internação, que evidenciou regressão parcial da hiperdensidade intramural da alça jejunal do mesogástrio/fossa ilíaca esquerda, porém observou-se o aparecimento de achados similares aos do primeiro exame em outro segmento de alça jejunal, este no flanco esquerdo, persistindo os sinais de suboclusão intestinal (figuras 4, 5 e 6). O paciente foi tratado de forma conservadora, sendo realizado controle tomográfico após a alta hospitalar, cerca de 2 meses após o início dos sinais e sintomas, que evidenciou regressão completa das alterações observadas nas figuras de 1 a 6.

Discussão

Hematoma intramural de intestino delgado foi descrito pela primeira vez por McLauchlan em 1838 após autópsia de um homem de 49 anos que morreu por “desidratação e obstrução duodenal atribuída a um pseudoaneurisma”. Em 1904, Sutherland relatou um caso de hematoma intramural de intestino delgado não-traumático em uma criança com Púrpura de Henoch-Schönlein com quadro de intussuscepção. Poucos anos depois, von Khautz diagnosticou condição semelhante em um paciente com hemofilia. Em decorrência destes primeiros relatos, o hematoma intramural espontâneo de intestino delgado passou a ser cada vez mais reconhecido e diagnosticado como complicação de terapias anticoagulantes, discrasias sanguíneas, malignidades e vasculites [1-2]. O sangramento que leva à formação do hematoma intestinal intramural tem origem em pequenos vasos submucosos. Sangramento digestivo pode ocorrer em caso de ruptura do hematoma, porém ocorre em menos da metade dos pacientes. Sinais de irritação peritoneal, apesar de incomuns, podem indicar complicações como necrose, perfuração e/ou hemoperitônio [3]. No contexto clínico adequado, os achados de TC de espessamento parietal circunferencial, hiperdensidade intramural, estreitamento luminal e suboclusão/oclusão intestinal são considerados patognomônicos de hematoma intestinal intramural por alguns autores [1]. Espessamento parietal intestinal pode também ser encontrado em malignidades, processos inflamatórios e isquemia intestinais, entretanto nos casos de hematomas intramurais as alterações tomográficas costumam regredir completamente cerca de 2 meses após o início dos sinais e sintomas [3].

Lista de Diferenciais

  • Processo inflamatório intestinal
  • Isquemia intestinal
  • Malignidades intestinais

Diagnóstico

  • Hematoma intramural espontâneo em alças intestinais jejunais

Aprendizado

Hematoma intramural espontâneo de alças intestinais delgadas é uma entidade extremamente rara, porém deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de pacientes em uso crônico de anticoagulantes, com discrasias sanguíneas, malignidades e/ou vasculites, que apresentem quadro de dor abdominal associada a sinais e sintomas de suboclusão/oclusão intestinal.

Referências

  • 1. Abbas MA, Collins JM, Olden KW. Spontaneous intramural small-bowel hematoma: imaging findings and outcome. AJR 2002; 179:1389–1394
  • 2. Sugi MD, Menias CO, Lubner MG, Bhalla S, Mellnick VM, Kwon MH, Katz DS. CT findings of acute small-bowel entities. RadioGraphics 2018; 38:1352–1369
  • 3. Samie AA, Sun R, Huber A, Höpfner W, Theilmann L. Spontaneous intramural small-bowel hematoma secondary to anticoagulant therapy: a case series. Med Klin Intensivmed Notfmed 2013; 108:144–148

Imagens

Figura 1. TC de abdome sem contraste, plano coronal com diferentes níveis e larguras de janelas (1º exame – dia da admissão). Setas amarelas: segmento de alça jejunal em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural e acentuado estreitamento luminal, com sinais inflamatórios na gordura mesentérica regional. Setas laranjas: alça jejunal proximal com distensão líquida. Setas verdes: alça ileal distal com calibre normal.

Figura 2. TC de abdome sem contraste, plano axial com diferentes níveis e larguras de janelas (1º exame – dia da admissão). Setas amarelas: segmento de alça jejunal em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural e acentuado estreitamento luminal. Setas laranjas: alça jejunal proximal com distensão líquida.

Figura 3. TC de abdome sem contraste, plano sagital com diferentes níveis e larguras de janelas (1º exame – dia da admissão). Setas amarelas: segmento de alça jejunal em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural e acentuado estreitamento luminal.

Figura 4. TC de abdome sem contraste, plano axial com diferentes níveis e larguras de janelas (2º exame – 3 dias após a admissão). Setas amarelas: segmento de alça jejunal em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural (menos intensa que no 1º exame) e acentuado estreitamento luminal. Setas laranjas: alça jejunal proximal com distensão líquida.

Figura 5. TC de abdome sem contraste, plano axial com diferentes níveis e larguras de janelas (2º exame – 3 dias após a admissão). Setas azuis: segmento de alça jejunal no flanco esquerdo com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural e acentuado estreitamento luminal, achado novo em relação ao 1º exame. Setas laranjas: alça duodenal com distensão líquida.

Figura 6. TC de abdome sem contraste, plano coronal com diferentes níveis e larguras de janelas (2º exame – 3 dias após a admissão). Setas azuis: segmento de alça jejunal no flanco esquerdo com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural e acentuado estreitamento luminal, achado novo em relação ao 1º exame. Setas amarelas: segmento de alça jejunal em mesogástrio/fossa ilíaca esquerda com espessamento parietal regular circunferencial, hiperdensidade intramural (menos intensa que no 1º exame) e acentuado estreitamento luminal.

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Artigo recebido em terça-feira, 7 de abril de 2020

Artigo aprovado em segunda-feira, 25 de maio de 2020

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