• ISSN (On-line) 2965-1980

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Genital (Feminino)

MOLA HIDATIFORME COMPLETA COEXISTINDO COM FETO VIVO

ALBERTO BORGES PEIXOTO 1, EDUARDO PORTO CUNHA 2, ELTON DIAS LOPES BARUD 3, LETÍCIA MARIA MODES COSTA SCOFONI 4, LUIS RONAN MARQUEZ FERREIRA DE SOUZA 5

Resumo

Gestante de 29 anos em consulta pré-natal, com quadro de dor abdominal difusa discreta e sangramento vaginal. Altura uterina acima do esperado para a idade gestacional. Realizou exames laboratoriais, ultrassonografia, ressonância magnética e, após estudo imunohistoquímico, o diagnóstico de mola hidatiforme completa coexistindo com feto vivo foi confirmado.

Dados do caso

Feminino 29 anos

Palavras chaves

Mola Hidatiforme, Mola Hidatiforme Invasiva

Histórico Clínico

Gestante (G3P1A1) de 29 anos em consulta pré-natal, sem antecedentes patológicos. Relata quadro de dor abdominal difusa discreta e sangramento vaginal de pequeno volume. De relevante ao exame físico apresenta altura uterina acima do esperado para a idade gestacional. Valor do β-hCG de 38.752,0 mUI/mL na 13ª semana de gestação e ultrassonografia caracterizando duas placentas (uma delas alterada) e um feto vivo sem alterações morfológicas, bem como cistos ovarianos tecaluteínicos. Foi submetida a exame de ressonância magnética para melhor caracterização das estruturas, que apresentava indefinição da interface entre a placenta e o miométrio da parede posterior com aparente extensão para a serosa. Como havia conjuntamente gestação com feto morfologicamente normal, foi optado por manter seguimento. No entanto, a paciente apresentou piora da dor abdominal e aumento do sangramento, com relato de expulsão de material fetal e exteriorização do cordão umbilical pela vagina ao exame físico. Foi submetida a aspiração manual intrauterina para esvaziamento da cavidade e laparotomia exploradora, sem realização da histerectomia ou histeroscopia. O exame anatomopatológico da aspiração evidenciou mola hidatiforme completa com corioamnionite aguda e cistos tecaluteínicos com focos de hemorragia, cistos de corpo lúteo e ausência de neoplasia. A imunohistoquímica evidenciou p57 com expressão negativa, o que reforça o diagnóstico de mola hidatiforme completa. Após alta hospitalar foi acompanhada com exames seriados de β-hCG, que apresentou queda inicial (β-hCG de 1.870,9 mUI/mL), seguida por aumento dos valores na 3ª-4ª semana após a intervenção cirúrgica (β-hCG de 3.458,8 mUI/mL e 4.409,1 mUI/mL, respectivamente), compatível com diagnóstico de mola invasora. Foram realizadas tomografias de tórax, abdome, pelve e crânio que não evidenciaram metástases. Com o diagnóstico de mola invasora, optou-se pelo tratamento com metotrexato, sendo realizados seis ciclos até o momento e com valores de β-hCG dentro dos limites da normalidade em dois exames (primeiro exame negativo realizado na 10ª semana após o esvaziamento uterino). A paciente não apresentou efeitos colaterais após o início do tratamento e mantém seguimento ambulatorial.

Achados Radiológicos

Exame ultrassonográfico transvaginal caracterizando duas placentas, uma delas de aspecto habitual e a outra com aumento volumétrico e ecotextura heterogênea às custas de múltiplas lesões císticas subcentimétricas difusas, com aumento do fluxo ao estudo Doppler (figura 1). Evidencia-se também feto com morfologia habitual e BCF presente, apresentando comunicação do cordão umbilical para a placenta normal (figura 2). Ovários com múltiplos cistos simples confluentes e volume estimado de 2400 cm³ à direita e de 1960 cm³ à esquerda (figura 3). A avaliação foi complementada com ressonância magnética fetal sem contraste, evidenciando-se melhor os cistos placentários ocupando a cavidade endometrial. Há indefinição da interface entre a placenta e o miométrio da parede posterior com aparente extensão para a serosa (figura 5). A outra placenta e o feto foram caracterizados, sem alterações. Nota-se redução volumétrica do líquido amniótico (figura 4). Alguns cistos do ovário direito apresentam-se com conteúdo atribuído a material hemático. Presença de moderada quantidade de líquido na cavidade abdominal (figura 6).

Discussão

A mola hidatiforme tem uma incidência próxima de 1:1000 gestações, sendo considerada a lesão benigna mais comum da doença trofoblástica gestacional (DTG) [1]. A análise morfológica, histológica e citogenética é capaz de caracterizar duas formas clínicas: mola hidatiforme completa (MHC) e mola hidatiforme parcial (MHP) [2]. Ambas são resultados de fertilizações anômalas que, se não acompanhadas e tratadas, podem evoluir para neoplasia trofoblástica gestacional [3]. Outra forma específica de apresentação clínica da DTG é a gestação gemelar de mola hidatiforme completa coexistindo com feto vivo (GGHC). Trata-se de uma condição rara, com incidência de 1:20.000-100.000 gestações e que determina riscos materno-fetais significativos [4]. Dentre os quais pode-se destacar o hipertireoidismo, hiperêmese gravídica, pré-eclâmpsia, sangramento transvaginal, aborto espontâneo, morte fetal intraútero e neoplasia trofoblástica persistente [2,5]. Nos exames laboratoriais, evidencia-se aumento dos níveis de β-hCG, superando 100.000 mIU/mL em aproximadamente 50% dos casos de MHC [6]. Na ultrassonografia de primeiro trimestre, nota-se aumento das dimensões uterinas com massa endometrial heterogênea e focos hipoecoicos, típica aparência em “tempestade de neve” [7]. Com o avanço da gestação, a presença do feto vivo coexistente (gêmeo diplóide) torna-se perceptível, além de múltiplos cistos ovarianos (cistos tecaluteínicos), bilaterais e de grandes dimensões [8]. A GGHC deve ser diferenciada da MHP e da displasia mesenquimal placentária (DMP). Em relação à primeira, a imunohistoquímica auxilia muito na diferenciação entre MHC e MHP através da avaliação da expressão do p57, que, quando presente, é a caracterização gênica de alelo paterno de impressão materna, característico de MHP. Nos casos de MHC, como elas não possuem um componente genômico materno, não se espera que expressem genes que são normalmente expressos pelo alelo materno [9]. Em relação ao diferencial com a DMP, nesta o feto vivo é resultado de uma gestação única e a ressonância magnética costuma contribuir para identificar a degeneração placentária no interior do saco gestacional, enquanto na GGHC observam-se as lesões placentárias fora do saco gestacional [10].

Lista de Diferenciais

  • Mola hidatiforme completa coexistindo com feto vivo
  • Mola hidatiforme parcial
  • Displasia mesenquimal placentária

Diagnóstico

  • Mola hidatiforme completa coexistindo com feto vivo

Aprendizado

A mola hidatiforme completa coexistindo com feto vivo representa um desafio diagnóstico e, embora seja um diagnóstico extremamente raro, deve ser lembrada nos casos em que há a suspeita de doença trofoblástica gestacional associada a presença de duas placentas (uma delas de aspecto habitual) e um feto vivo e morfologicamente normal.

Referências

  • 1. Palmer JR. Advances in the epidemiology of gestational trophoblastic disease. J Reprod Med 1994;39:155-62.
  • 2. Suksai M, Suwanrath C, Kor-Anantakul O, et al. Complete hydatidiform mole with co-existing fetus: predictors of live birth. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 2017; 212: 1–8.
  • 3. Braga A, Uberti EM, Fajardo Mdo C, et al. Epidemiological report on the treatment of patients with gestational trophoblastic disease in 10 Brazilian referral centers: results after 12 years since International FIGO 2000 Consensus. J Reprod Med 2014; 59: 241–247
  • 4. Lin LH, Maestá I, Braga A, et al. Multiple pregnancies with complete mole and coexisting normal fetus in North and South America: A retrospective multicenter cohort and literature review. Gynecol Oncol 2017; 145: 88–95.
  • 5. Sebire NJ, Foskett M, Paradinas FJ, et al. Outcome of twin pregnancies with complete hydatidiform mole and healthy co-twin. Lancet 2002; 359: 2165–2166.
  • 6. Lurain JR: Gestational trophoblastic disease I: Epidemiology, pathology, clinical presentation and diagnosis of gestational trophoblastic disease, and management of hydatidiform mole. Am J Obstet Gynecol2010; 203: 531–539.
  • 7. Benson CB, Genest DR, Bernstein MR, Soto-Wright V, Goldstein DP, Berkowitz RS. Sonographic appearance of first trimester complete hydatidiform moles. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; (2):188–191.
  • 8. Hou JL, Wan XR, Xiang Y, Qi QW, Yang XY. Changes of clinical features in hydatidiform mole: analysis of 113 cases. J Reprod Med 2008;53(8):629–633.
  • 9. Mondal SK, Mandal S, Bhattacharya S, Panda UK, Ray A, Ali SM. Expression of p57 immunomarker in the classification and differential diagnosis of partial and complete hydatidiform moles. Journal of laboratory physicians, 2019; 11(3): 270
  • 10. Himoto Y, Kido A, Minamiguchi S, et al. Prenatal differential diagnosis of complete hydatidiform mole with a twin live fetus and placental mesenchymal dysplasia by magnetic resonance imaging. J Obstet Gynaecol Res 2014; 40: 1894–1900.

Imagens

Figura 1. USG evidenciando duas placentas, uma delas de aspecto habitual (setas brancas) comunicando-se com feto vivo sem alterações, e a outra placenta evidenciando inúmeras lesões císticas de paredes finas e conteúdo anecoico (setas vermelhas) e aumento do fluxo ao estudo Doppler, sobretudo na parede posterior (seta amarela).

Figura 2. USG caracterizando feto vivo, com idade gestacional de 12 semanas e 5 dias e BCF normais (163 bpm), não sendo caracterizadas alterações morfológicas na ultrassonografia.

Figura 3. USG evidencia ovários com dimensões bastante aumentadas às custas de múltiplos cistos de paredes finas e conteúdo anecoico confluentes (setas brancas) – cistos tecaluteínicos.

Figura 4. RM T2 SAG - Feto com cordão umbilical comunicando-se com a placenta normal (seta branca). Nota-se redução volumétrica do líquido amniótico (setas vermelhas).

Figura 5. RM T2 SAG - Presença de duas placentas, uma delas normal (seta branca) e a outra alterada (seta vermelha). Há indefinição da interface entre a placenta e o miométrio da parede posterior com aparente extensão para a serosa (seta amarela).

Figura 6. RM T2 COR - Ovários com cistos tecaluteínicos (setas brancas), alguns apresentando conteúdo atribuível a material hemático à direita (seta vermelha). Presença de moderada quantidade de líquido na cavidade abdominal (setas amarelas). RM T1 SAG - Alguns cistos ovarianos apresentando conteúdo atribuível a material hemático (seta vermelha).

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Artigo recebido em sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Artigo aprovado em segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

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