• ISSN (On-line) 2965-1980

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Coronavírus

TROMBOSE DE VEIA RENAL E TROMBOEMBOLISMO PULMONAR EM PACIENTE COM COVID-19

CARLA FRANCO COSTA LIMA 1, JORGE LUIS BEZERRA HOLANDA 2, MARIANA SANTOS LEITE PESSOA 3

Resumo

Apresentamos o caso de um paciente jovem, 42 anos, com diagnóstico confirmado de infecção pelo SARS-Cov-2, com alterações típicas na tomografia de tórax, associado a dor tóracica e abdominal, com exames de imagem evidenciando tromboembolismo pulmonar e trombose da veia renal, associação ainda pouco descrita na literatura. Embora de mecanismo desconhecido, especial atenção deve ser dada ao risco de desenvolvimento de eventos tromboembólicos associados a COVID-19.

Dados do caso

Masculino 42 anos

Palavras chaves

Coronavirus, Trombose, Infecções por Coronavirus

Histórico Clínico

Paciente, 42 anos, sexo masculino, buscou assistência médica com história de sensação de febre, tosse seca intensa, mialgia e anorexia. Relatava também dispneia aos médios esforços. Paciente hipertenso, em uso regular de medicação (classe dos inibidores competitivos da enzima conversora da angiotensina). No atendimento, apresentava-se afebril, normocárdico, eupneico, saturação de oxigênio (SaO2) de 99% em ar ambiente, ausculta pulmonar sem alterações. Foi coletado swab de naso e orofaringe, realizado notificação, orientado isolamento social e alta hospitalar com retorno em caso de piora dos sintomas. Paciente retornou após três dias com queixa de piora da dispneia, com relato de mensuração da saturação de oxigênio em domicílio de até 93%, associada a dor torácica e abdominal à direita, bem como aparecimento de hiposmia, odinofagia e cefaleia. Ao exame apresentava-se afebril, fala entrecortada, SaO2 de 97% em ar ambiente, taquipneico com frequência respiratória de 40 incursões por minuto (ipm), ausculta pulmonar sem alterações e frequência cardíaca de 120 batimentos por minuto (bpm). Foram solicitados exames laboratoriais, bem como tomografia computadorizada do tórax, abdome e pelve. Os exames laboratoriais evidenciaram elevação de proteína C reativa (PCR: 307 mg/l), elevação do d-dímero: 1,25 mg/dl, INR: 1,27, além de anemia leve; demais parâmetros laboratoriais sem alterações expressivas. Foi indicado internamento hospitalar, e o paciente iniciou uso de Unasyn, Azitromicina, Osaltamivir, Hidroxocloroquina e anticoagulação plena com Clexane, evoluindo com alguns picos febris de até 38ºC e necessidade de cateter de oxigênio 3l/min, saturando em média 96%. Após dois dias de internamento hospitalar, paciente evoluiu com persistência da dor abdominal em flanco direito apesar de otimização da analgesia e melhora do padrão respiratório, saturando 98% em ar ambiente. Devido a persistência da dor abdominal, foi realizado nova angiotomografia do abdome e da pelve após sete dias do primeiro exame, notando-se reabsorção completa do trombo na veia renal direita e ausência de novos achados patológicos significativos. O paciente evoluiu com melhora dos sintomas e recebeu alta hospitalar com orientações de permanecer em isolamento até que fosse completado período de duas semanas recomendado na literatura. Cinco dias após a alta foi disponibilizado o resultado do swab de orofaringe, com detecção do Coronavírus SARS-CoV2 pelo método RT-PCR em tempo real.

Achados Radiológicos

Tomografia de tórax evidenciou padrão típico de infecção viral, que no contexto epidemiológico vigente foi considerado COVID-19, com achados assim descritos: Múltiplas opacidades com atenuação predominante de "vidro fosco", distribuídas em campos superiores e inferiores, sobretudo na periferia póstero-basal de ambos os pulmões. Algumas destas com espessamento do septos interlobulares em permeio, caracterizando padrão de "pavimentação em mosaico", na base do pulmão direito. Há consolidações do espaço aéreo iniciais em meio às alterações descritas, com presença de broncogramas aéreos. As alterações supracitadas comprometiam mais que 50% e menos que 75% da área total dos pulmões. Ausência de derrames pleurais. Área cardíaca de dimensões aumentadas, notadamente o ventrículo esquerdo. Tomografia do abdome e da pelve apresentando área hipoatenuante no rim direito associado a aparente falha de enchimento na veia renal direita, que podia corresponder a trombo intraluminal, sugerindo infarto renal, não descartando processo inflamatório/infeccioso. Foi realizada angiotomografia do abdome, pelve e tórax, sendo confirmado o trombo na veia renal direita e caracterizado tromboembolismo pulmonar na artéria segmentar que drena o segmento basal posterior do lobo inferior direito.

Discussão

Sabe-se que as infecções agudas, de modo geral, estão associadas a aumento transitório do risco de eventos tromboembólicos [1]. Além disso, a embolia pulmonar aguda é uma causa de deterioração clínica das pneumonias virais [2]. Pacientes com infecção viral podem evoluir para sepse associada a disfunção orgânica, sendo a sepse uma das causas mais comuns de CIVD [3]. A maioria dos pacientes graves inicialmente apresenta disfunção orgânica única (ou seja, insuficiência respiratória), mas alguns progridem para disfunção de múltiplos órgãos. Uma das características de mau prognóstico mais significativa nesses pacientes é o desenvolvimento de coagulopatia [4]. Embora escassos, há relatos de casos na literatura de COVID-19 associado a tromboembolismo pulmonar, bem como tromboses venosas. Deste modo, embora o mecanismo ainda seja desconhecido, especial atenção deve ser dada ao risco de desenvolvimento de eventos tromboembólicos associados à infecção pelo SARS-CoV-2 [5]. Estudos recentes associam o desenvolvimento de CIVD à gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2, e relatam que nos estágios finais da pneumonia grave pelo coronavírus, os níveis de marcadores relacionados à fibrina (D-dímero e produtos de degradação da fibrina) estão elevados, o que sugere uma ativação de coagulação e condição secundária de hiperfibrinólise nesses pacientes [3,4]. Há evidências de que a trombocitopenia está associada a risco de desenvolver COVID-19 grave, sugerindo disfunção de órgãos, bem como o desenvolvimento de CIVD [6]. Nos pacientes com COVID-19, o mecanismo para a trombocitopenia é provavelmente multifatorial [6]. Na SARS, foi sugerido que a combinação de infecção viral e ventilação mecânica leva a danos endoteliais, desencadeando a ativação plaquetária, agregação e trombose pulmonar, causando consumo de plaquetas [7]. Além disso, como o pulmão pode ser um local de liberação de megacariócitos maduros, uma redução ou alteração morfológica no leito capilar pulmonar pode levar a desarranjos na fragmentação plaquetária [7]. Os coronavírus também podem infectar os elementos da medula óssea, resultando em hematopoiese anormal ou desencadear uma resposta autoimune contra as células sanguíneas [7]. Sugere-se ainda que a CIVD pode ser a causadora da plaquetopenia na SARS [7]. No entanto, como observado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), diferenças significativas são observadas entre a SARS e a COVID-19 [6]. Deste modo, é provável que os mecanismos fisiopatológicos por trás de cada infecção sejam diferentes, devendo ser melhor estudados e compreendidos [6].

Lista de Diferenciais

  • Outra pneumonia viral
  • Tromboembolismo pulmonar por outras causas

Diagnóstico

  • Coronavírus confirmado com swab de orofaringe pelo método RT-PCR associado a trombose de veia renal e tromboembolismo pulmonar

Aprendizado

No caso relatado acima, a ausência de outros grandes fatores precipitantes parece confirmar o papel da COVID-19 como fator predisponente para eventos tromboembólicos, que embora seja pouco descrito e de mecanismo desconhecido, principalmente em pacientes jovens como no caso relatado, devemos reconhecê-lo como um diagnóstico diferencial importante.

Referências

  • 1. Danzi GB, Loffi M, Galeazzi G, et al. Acute pulmonary embolism and COVID-19 pneumonia: a random association?. European Heart Journal. 2020;
  • 2. Xie Y, Wang X, Yang P, et al. COVID-19 Complicated by Acute Pulmonary Embolism. Radiology: Cardiothoracic Imaging. 2020;
  • 3. Tang N, Li D, Wang X, Sun Z. Abnormal Coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost 2020.
  • 4. Thachil J, Tang N, Satoshi G et al. ISTH interim guidance on recognition and management of coagulopathy in COVID-19. J Thromb Haemost. (2020)
  • 5. Chen J, Wang X, Zhang S, et al. Findings of Acute Pulmonary Embolism in COVID-19 Patients. The Lancet, Mar 2020.
  • 6. Lippi G, Plebani M, Henry BM. Thrombocytopenia is associated with severe coronavirus disease 2019 (COVID-19) infections: A meta-analysis [published online ahead of print, 2020 Mar 13]. Clin Chim Acta. 2020;506:145–148.
  • 7. Yang M, Ng MH, Li CK. Thrombocytopenia in patients with severe acute respiratory syndrome (review). Hematology, 10 (2005), pp. 101-105

Imagens

Imagem de tomografia de abdome, terceiro corte axial, com janela fechada. A seta demonstra falha de enchimento parcial em vaso arterial na base do pulmão direito.

Imagem axial de tomografia do abdome pós-contraste. A seta demonstra imagem hipodensa no interior da veia renal direita, que poderia corresponder a trombo.

Imagens de reconstrução MIP coronal oblíqua de angiotomografia do tórax evidenciando o trombo (seta longa) em ramos arteriais segmentares e subsegmentares para o lobo inferior direito na imagem à direita. Na imagem à esquerda observa-se a correspondência de opacidades relacionadas a tromboembolismo (setas curtas) neste segmento e opacidades periféricas com aspecto em “vidro fosco” (setas descontínuas) vistas no pulmão esquerdo e no lobo superior direito que são relacionadas à doença de base (SARS COVID-19). Nota-se ainda fina lâmina de derrame pleural.

Reconstrução MIP oblíqua dos rins em estudo de angiotomografia do abdome evidenciando falha de enchimento (seta curta ) parcial na veia renal direita (seta longa) e a veia renal esquerda (seta dupla) sem alterações.

Vídeos

Artigo recebido em segunda-feira, 4 de maio de 2020

Artigo aprovado em sexta-feira, 8 de maio de 2020

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